Rio de Janeiro, 31 de março de 2020
CARTA ABERTA DA ARTICULAÇÃO DE AGROECOLOGIA DO RIO DE JANEIRO (AARJ)
ALERTAS E ORIENTAÇÕES EM TEMPOS DE CORONAVÍRUS
A AARJ vem expressar o seu posicionamento frente ao momento da pandemia da Covid-19 (pelos Protocolos de Segurança da Organização Mundial de Saúde) e colocar as medidas que julga necessárias, relacionadas à produção e comercialização de alimentos saudáveis oriundos da agricultura familiar e ao abastecimento alimentar das camadas socialmente mais vulneráveis da população.
Ainda que algumas autoridades venham assumindo posicionamentos negligentes e irresponsáveis ao estimularem ações que colocam em risco a vida diante de uma pandemia, as muitas mortes ocorridas e a sobrecarga nos hospitais e centros de saúde em diversas partes do mundo apontam para a necessidade do isolamento social e da adoção de medidas radicais de prevenção individuais e coletivas. A permanência em ambientes mais protegidos e de preferência em casa é essencial para conter a disseminação do vírus e evitarmos muitas mortes.
Nesse contexto, é fundamental a organização da sociedade para que sejam mantidos serviços básicos como os cuidados com a saúde e o abastecimento alimentar. Garantir o acesso da população à alimentação saudável e adequada é um direito social e essencial à vida e ao fortalecimento do sistema imunológico das pessoas.
A AARJ enquanto rede articuladora de iniciativas da sociedade civil no campo da agricultura familiar e da agroecologia chama a atenção para alguns pontos relacionados ao abastecimento e à garantia da segurança para agricultores e consumidores, destacando as necessidades específicas de grupos vulneráveis, como são os casos de beneficiários dos sistemas de proteção social, moradores de favelas, comunidades tradicionais indígenas, quilombolas, ribeirinhos e população em situação de rua.
Reconhecemos a importância da unificação de esforços na construção de políticas emergenciais, como a renda mínima de segurança, aprovada pela câmara dos deputados e pelo senado. Reivindicamos o pagamento imediato do auxílio emergencial de R$ 600,00 às trabalhadoras e aos trabalhadores informais de baixa renda. Como nos ensinou Betinho, “quem tem fome tem pressa!”
Feiras da Agricultura Familiar, Orgânicas e Agroecológicas
As feiras da agricultura familiar, agroecológicas e orgânicas são espaços de oferta e abastecimento de alimentos que mantêm uma relação direta entre os agricultores e os consumidores. Desta forma, as feiras evitam os atravessadores e minimizam a contaminação, comparativamente ao que ocorre em outros locais como redes de mercado e supermercados, que possuem vários interlocutores até que o produto chegue à mão do consumidor, além do próprio ambiente restrito, fechado e suscetível à maior contaminação. Consideramos fundamental que as feiras da agricultura familiar, agroecológicas e orgânicas se mantenham abertas, resguardando-se os cuidados sanitários recomendados para evitar aglomerações e a contaminação de produtores e consumidores. Reivindicamos que as prefeituras municipais adotem medidas de incentivo ao consumo nestas feiras com a emissão de vales para os funcionários públicos consumirem nas feiras, a exemplo da experiência da Prefeitura Municipal de Paty do Alferes.
Outras formas de comercialização de produtos da agricultura familiar, orgânicos e agroecológicos
Consideramos muito importante o estabelecimento de outras formas de comercialização de produtos para além das feiras – cestas entregues nas próprias feiras, cestas entregues em domicílios, vendas para instituições públicas e privadas em especial a continuidade de programas de compra institucional em funcionamento até o início da pandemia. Desta forma, entendemos que haverá maior garantia do escoamento da produção, da manutenção da renda dos agricultores e dos fluxos de produção e de abastecimento.
Protocolos de segurança
A manutenção das feiras e de outros circuitos de comercialização requer o emprego de protocolos de segurança que devem ser estabelecidos de forma educacional e formativa entre feirantes e consumidores, facilitados pelos órgãos municipais e sob controle dos órgãos de saúde do estado do Rio de Janeiro a fim de manter um padrão sanitário seguro para a erradicação da pandemia.
Cadastramento de produtores e consumidores
Percebemos a importância de cada espaço de comercialização manter atualizados cadastros de produtores e de consumidores, de modo a facilitar a comunicação e a divulgação de iniciativas emergenciais. Tal medida mostrou-se oportuna e propiciou maior agilidade nos atos de compra no episódio de restrição às feiras vivenciado pelo “equívoco do fechamento das feiras do Circuito Carioca de Feiras Orgânicas” de 21/03/2020 na cidade do Rio de Janeiro.
Cuidado com os cadastros
Temos acompanhado o crescimento da comercialização de produtos agroecológicos e orgânicos (as “cestas” e as entregas em domicílio) por empresas que usam a mesma lógica dos grandes mercados. Essa modalidade de abastecimento, que já vinha afetando a renda dos agricultores familiares se multiplicou agora na crise do coronavirus. Estas empresas costumam oferecer pagamento inadequado aos produtos e repassá-los com valores muito altos ao consumidor final, sobretudo nestes tempos de pandemia.
Quanto aos cadastros de clientes que estão sendo montados, orientamos que não sejam repassados abertamente, pois se constituem em informação valiosa para a manutenção do vínculo entre produtor e consumidor. Acreditamos que cada consumidor é responsável não só pela compra e viabilização da renda dos agricultores, como também pelo papel social e cultural que a compra direta oferece.
Programas de compensação por perdas de produção
Julgamos necessária a criação de programas de compensação por perdas de produção devido à desestruturação dos sistemas agroalimentares, que em tempos de pandemia diz respeito diretamente à; diminuição da capacidade de circulação em locais de produção (colheita e pós-colheita), à logística de distribuição nas estradas e demais espaços, à diminuição do fluxo de vendas diretas e dificuldade de compor uma logística ideal e segura do ponto de vista sanitário diante de uma calamidade.
Programa emergencial de compras diretas para abastecimento das camadas populares
Necessidade de constituição de um programa emergencial, possivelmente usando a estrutura do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA emergencial), associado a um valor destinado à população de baixa renda (Renda Melhor ou outro valor associado aos programas de proteção social) que possa ser usado. Reivindicamos a alocação emergencial de R$ 1 bilhão do orçamento federal para o Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA), a ser operado pelos estados e municípios pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que devem comprar diretamente das organizações da agricultura familiar e doar a organizações da sociedade civil que prestam assistência alimentar a famílias mais pobres. O governo estadual e as prefeituras municipais também devem destinar recursos de seus orçamentos para o PAA.
Programa de distribuição de cestas para famílias em situação de vulnerabilidade social e econômica
Assegurar que os programas de distribuição de cestas básicas comprem os alimentos frescos diretamente de grupos de agricultores familiares, preferencialmente os orânicos e agroecológicos, inclusive da agricultura urbana e periurbana que não tem DAP, facilitando a logística pela proximidade das áreas de produção nas cidades e minimizando efeitos da diminuição da renda no momento da pandemia.
A AARJ reafirma o seu compromisso em divulgar o papel imprescindível para a sociedade, dos agricultores, agricultoras e povos de comunidades tradicionais através de suas formas de produção de alimentos em consonância com os processos naturais e o respeito às diferentes formas de vida, às relações sociais, econômicas, culturais e o impacto positivo da agroecologia no dia-a-dia e em especial em momentos de crise como este.