Na manhã desta quinta-feira (23), representantes da sociedade civil que integram a Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO) divulgaram uma nota pública em que defendem a manutenção do Decreto 6.040, de 07 de fevereiro de 2007, que instituiu a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais.

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A decisão da CNAPO, tomada durante a Plenária da Comissão, vem em resposta ao ofício encaminhado pela Confederação da Agricultura e Agropecuária do Brasil (CNA) e pela Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) ao governo federal em que essas entidades solicitam a revogação do Decreto nº 6.040/2007 e a suspensão dos processos de reconhecimento dos territórios dos povos e comunidades tradicionais.

O documento dos defensores do agronegócio critica o critério de auto-atribuição e a definição dos territórios tradicionais como “espaços necessários à reprodução cultural, social e econômica dos povos e comunidades tradicionais”.

A CNAPO “entende que este ofício é um ataque direto aos direitos territoriais, ambientais e culturais dos Povos e Comunidades Tradicionais. Ressalta também que este povos e comunidades são fundamentais na salvaguarda da sociobiodiversidade e da agrobiodiversidade do Brasil e que efetivamente praticam e constroem a agroecologia em seus territórios”.

Confira abaixo a Carta da CNAPO na íntegra:

CARTA DA CNAPO PELA MANUTENÇÃO DO DECRETO 6.040/2007

Os Povos e Comunidades Tradicionais do Brasil mantém suas tradições, culturas e seus modos de vida que, de forma geral, se baseiam numa relação equilibrada com a natureza e relações sociais pautadas no apoio mútuo e na solidariedade, o que expressa de forma profunda a agroecologia.

Atualmente, existe um arcabouço composto por leis, decretos, medidas provisórias e convenções que garantem os direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais.

Um destes instrumentos é o Decreto Nº 6.040, de 7 de fevereiro de 2007, que instituiu a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais.

A política tem como principal objetivo promover o desenvolvimento sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, com ênfase no reconhecimento, fortalecimento e garantia dos seus direitos territoriais, sociais, ambientais, econômicos e culturais, com respeito e valorização a suas identidades, suas formas de organização e suas instituições. 

No entanto, tais direitos foram recentemente questionados pelo presidente da Confederação da Agricultura e Agropecuária do Brasil (CNA), João Martins, e pela presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), a deputada federal Tereza Cristina (DEM-MS). Em ofício encaminhado ao governo federal, as entidades solicitam a revogação do Decreto nº 6.040/2007 e a suspensão dos processos de reconhecimento dos territórios destes povos e comunidades tradicionais. O documento critica o critério de auto-atribuição e a definição dos territórios tradicionais como “espaços necessários à reprodução cultural, social e econômica dos povos e comunidades tradicionais”.

Tal iniciativa tem o mesmo intuito da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) sobre o Decreto 4.887/2003, impetrada em 2004 pelo Partido da Frente Liberal – PFL, atual Democratas – DEM. Os principais argumentos daquela Ação Direta de Inconstitucionalidade referiam-se ao procedimento de desapropriação sobre terras reivindicadas por comunidades quilombolas, pertencentes a particulares; do critério de auto-atribuição (autodefinição da própria comunidade); e da definição dos territórios com base em informações fornecidas pelas próprias comunidades interessadas. O próprio ato de emissão do decreto foi questionado pela ADI, sob a alegação de que os direitos previstos na constituição não deveriam ser regulamentada por decreto, mas sim por lei.

Em fevereiro deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou a ADI e declarou a validade do Decreto 4.887/2003, garantindo, com isso, o direito da titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades quilombolas. Assim o judiciário brasileiro já se manifestou reconhecendo a validade dos critérios e definições questionadas pelo CNA e FPA no atual ofício.

A Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica entende que este ofício é um ataque direto aos direitos territoriais, ambientais e culturais dos Povos e Comunidades Tradicionais. Ressalta também que este povos e comunidades são fundamentais na salvaguarda da sociobiodiversidade e da agrobiodiversidade do Brasil e que efetivamente praticam e constroem a agroecologia em seus territórios.

Desta forma, a CNAPO defende a manutenção do Decreto 6.040/2007, pautando a garantia dos direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais e reivindicando a agilização dos processos de identificação e regularização dos territórios tradicionais e demarcação das terras indígenas, no intuito de fortalecer a Agroecologia, garantindo a diversidade cultural e biológica brasileira.

Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO)

Brasília/DF, 23 de agosto de 2018