Como resultado de uma ampla discussão que contou com a presença da secretária de Mulheres da CONTAG, Alessandra Lunas, entre outros(os) representantes da sociedade civil que compõem as mesas diretivas do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (Condraf), da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Cnapo), da Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (Cnpct) e do Conselho Nacional de Saúde (CNS) foi encaminhada a construção de uma NOTA do CONSEA, reafirmando a importância de preservar e fortalecer a atuação dos movimentos sociais dentro e fora dos conselhos, frente os atuais desdobramentos do cenário político do Brasil.
Leia a NOTA na íntegra
NOTA do CONSEA: não aos retrocessos e pela ampliação dos direitos conquistados
O Brasil passa por uma grave crise política, econômica e ética que acarreta a ruptura do processo democrático e de direitos já conquistados. Por isso, os(as) representantes da sociedade civil no Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) dirigem-se à sociedade brasileira e ao governo interino para manifestar profunda preocupação com retrocessos em direitos garantidos pela Constituição, entre eles o direito à alimentação (Artigo 6º).
O Consea é um espaço público que reúne representantes de governo e sociedade civil para viabilizar a participação e o controle social nas políticas públicas de segurança alimentar e nutricional a partir das diretrizes aprovadas nas Conferências Nacionais de Segurança Alimentar e Nutricional. É órgão permanente de Estado previsto na Lei nº 11.346/2006, parte do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan).
A atuação do Consea tem contribuído para o aprimoramento e monitoramento das políticas públicas com propostas voltadas para: ampliar o acesso a alimentação adequada e saudável; promover a produção agroecológica de alimentos produzidos pela agricultura familiar, indígena, quilombola e camponesa, responsável por parte significativa da alimentação diária da nossa população; construir “pontes” entre cidade e campo; valorizar a biodiversidade, os alimentos frescos e regionais; reconhecer o papel ativo das mulheres para um sistema agroalimentar sustentável; respeitar a ancestralidade negra e indígena, a africanidade e as tradições de todos os povos e comunidades tradicionais; resgatar identidades, memórias e culturas alimentares dos povos que compõem a população brasileira; proteger a amamentação; atender às necessidades alimentares especiais.
A saída do Brasil do Mapa Mundial da Fome, da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), em 2014, é uma conquista histórica da sociedade. O país tornou-se referência internacional no enfrentamento da fome e desnutrição, e na erradicação da pobreza extrema, para o quê foi essencial a construção participativa de políticas públicas de segurança alimentar e nutricional.
Entretanto, o cenário atual impõe um alerta em face da forte pressão dos interesses de mercado, da orientação neoliberal das políticas públicas que aprofundam a recessão, provocam desemprego e pobreza, das ameaças a direitos e do aumento do racismo institucional. São exemplos de ameaças que podem levar a retrocessos, e à própria volta do país ao Mapa da Fome, medidas como: manutenção de juros elevados; interrupção da valorização do salário mínimo; flexibilização das leis trabalhistas e reforma da previdência social; limitação de gastos com serviços públicos de educação e saúde e o enfraquecimento do Sistema Único de Saúde; redução do número de titulares de direitos do programa Bolsa Família; ampliação da tributação que afeta desigualmente as populações mais empobrecidas; ausência de regulação dos preços dos alimentos.
Reafirmamos o papel regulador e indutor do Estado brasileiro no abastecimento alimentar da população brasileira, englobando as esferas da produção, comercialização, distribuição e consumo de alimentos. A segurança alimentar e nutricional deve ser um dos eixos orientadores do desenvolvimento do país. Seu caráter intersetorial exige a integração de políticas. A não demarcação dos territórios indígenas está diretamente relacionada com os altos índices de desnutrição e mortalidade infantil nessa população; a não regulamentação da publicidade de alimentos contribui para os altos índices de obesidade e sobrepeso desde a infância; a redução dos programas voltados à agricultura familiar e a não democratização do acesso à terra aumentam os riscos de empobrecimento da dieta tradicional brasileira e a dependência de importações de alimentos, afetando a soberania alimentar; a liberação da comercialização de sementes transgênicas ameaça a diversidade de espécies de sementes nativas; o aumento do uso de agrotóxicos repercute nos índices de intoxicações agudas e crônicas da população.
O Consea tem insistido na aprovação do Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara), e se manifestado contrariamente ao desmonte da função de órgãos reguladores de controle dos agrotóxicos e à flexibilização da legislação ambiental previstas em propostas em debate no Congresso Nacional. Somos contrários também à pulverização aérea no caso do controle dos vetores da dengue, chikungunya e zika.
Defendemos incondicionalmente a necessidade de políticas adaptadas às especificidades e desafios da agricultura familiar, indígena, quilombola e camponesa, seus modos de vida, de organização e produção, que se diferenciam da agricultura patronal detentora de grandes extensões de terra e voltada para a exportação de commodities. Por essas razões, consideramos grave retrocesso a transformação do Ministério do Desenvolvimento Agrário em uma Secretaria Especial, fato que enfraquece a pauta e o aparato estatal necessário para sua efetivação, impactando negativamente programas como a Política de ATER, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Encontram-se paralisadas as ações de fortalecimento da convivência com o Semiárido. Denunciamos o verdadeiro genocídio contra os povos indígenas, com destaque para o contexto de violência contra os Guarani Kaiowá agravada nas últimas semanas, requerendo providências emergenciais de defesa desses povos. Por isso, contestamos as propostas de emenda constitucional que ferem os seus direitos territoriais e das comunidades quilombolas.
O Consea repudia qualquer manifestação preconceituosa contra as múltiplas identidades étnicas de povos e comunidades tradicionais que caracterizam a ampla diversidade brasileira. Enfaticamente defendemos a importância e necessidade da existência do Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT). A extinção das secretarias de direitos humanos, de políticas para as mulheres e de igualdade racial representa um grave retrocesso em um país que tem o racismo, o patriarcado e a violação de direitos humanos como vetores estruturantes das desigualdades.
Contestamos, também, a primazia da ótica de mercado na condução da política externa brasileira e as mudanças anunciadas, particularmente, de secundarização da cooperação sul-sul. A cooperação técnica e humanitária tem contribuído com a estruturação de políticas e programas em países com insegurança alimentar e nutricional grave, especialmente, na América Latina e Caribe e na Comunidade de Países de Língua Portuguesa.
Retroceder em matéria de direitos fundamentais, como o Direito Humano à Alimentação Adequada e Saudável, representa uma grave afronta ao Estado Democrático de Direito construído com participação social. Os(as) representantes da sociedade civil do Consea reafirmam seu posicionamento de resistência contra qualquer tentativa de reduzir direitos e retroceder nas políticas públicas, e realçam a necessidade de ampliar os direitos conquistados que garantem e promovem a soberania e a segurança alimentar e nutricional no Brasil.
Brasília, 06 de Julho de 2016
Representantes da sociedade civil do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
FONTE: Assessoria de Comunicação CONTAG – Barack Fernandes, com informações do CONSEA