Por Fernanda Cruz e Gleiceani Nogueira – ASACom
Ao longo dos últimos 12 anos, os agricultores e agricultoras do Semiárido brasileiro se viram como protagonistas das mudanças que aconteceram em suas propriedades, comunidades e, consequentemente, em suas vidas. Essas conquistas são frutos da democracia e de um governo eleito pelo povo e para o povo. “Democracia é o direito da maioria. E a gente vê que hoje o país se encontra numa situação onde a democracia está sendo enterrada. Pra mim, o direito das pessoas não está sendo respeitado. A gente vê que a maioria do povo brasileiro, que colocou uma mulher na presidência, não está sendo respeitado. Uma minoria, que são os deputados que infelizmente a gente que colocou lá, não nos respeita e não nos representa. Então a democracia pra mim hoje está sendo enterrada”, avalia Dona Maria de Lourdes Silva, a Lourdinha, quilombola de Conceição das Crioulas, no município de Salgueiro (PE).
Ela e outras centenas de camponeses e camponesas do Semiárido estão participando do IV Encontro Nacional de Agricultoras e Agricultores Experimentadores realizado pela ASA, em Aracaju (SE), que promove o intercâmbio e a troca de saberes para a convivência com o Semiárido. Para Lourdinha, são momentos como este que fortalecem o povo e que o atual governo quer acabar. “Democracia representa um pouco disso que estamos vivenciando aqui hoje, trazendo pra cá a nossa vez e nossa voz. E esse governo que está aí não quer ver a gente lá. Então esse direito de voz está sendo negado. Na minha visão, esse governo precisa sair fora. Temer saia fora”, dá o recado.
Dito isso, apesar de todas as fragilidades e desafios políticos e econômicos do Governo Dilma, a tentativa de impeachment da presidenta é golpe. “Essa não é uma mudança apenas de presidente, mas de políticas, de modelo de Estado. Não existe outra palavra que represente isso que não seja golpe”, desabafa Roselita Vitor, agricultora do Pólo da Borborema, na Paraíba.
A mesma opinião é compartilhada pelo cacique Bá, 33 anos, da etnia Xokó, da Ilha de São João, em Porto da Folha (SE). Ele recebeu um grupo de participantes do Encontro na aldeia para um intercâmbio de experiências. “Estou muito decepcionado porque tô vendo que o Brasil tá quase uma ditadura. Do meu ponto de vista, é golpe porque não há motivo justo pra afastar a Dilma. Ou bom ou ruim, deixa ela terminar. Ela num foi eleita? A democracia perdeu dessa vez. Tô vendo que o meu voto não valeu”, disse.
A Travessia Social, programa de governo apresentado pelo PMDB, não reconhece os agricultores e agricultoras familiares, não reconhece o Semiárido como espaço de vida. É a velha política do combate à seca, onde uns ganham dinheiro e poder em detrimento do povo sertanejo. “Um governo que acaba com o MDA [Ministério do Desenvolvimento Agrário], não nos reconhece. Não reconhece e valoriza o papel do povo camponês. Estamos vendo nossas conquistas no campo da segurança alimentar, no direito das mulheres, na produção serem invisibilizados”, destaca a agricultora Roselita.
O pacote de medidas do governo interino também prevê a redução de investimento em políticas educacionais e a privatização do ensino. Para a jovem Tainá Mariana Lopes da Silva, 17 anos, de Sobradinho, na Bahia, isso significa que “a gente vai voltar àquele tempo lá de quem só estudava era quem tinha dinheiro. E que o filho de pobre e de negro não podia ir para uma faculdade”. Ela estuda numa Escola Família Agrícola (EFA) e teme perder o direito de concluir seus estudos. “Eu não sei se eu vou conseguir concluir meu curso porque eles querem extinguir a escola onde estudo. E aí, como vai ser o meu futuro? Eu não quero sair do campo. Eu quero aprender saberes para conviver com o campo. Eu não quero ter a necessidade de migrar pra fora. Eu quero ser dona da minha vida. Não quero viver para os outros”, confessa.
Não ver a política de convivência com o Semiárido sendo efetivada e fortalecida sempre foi motivo para que os homens, mulheres e jovens dessa região ocupassem as ruas. Foi assim em 2011, quando o povo do Semiárido viu ameaçadas as políticas de acesso à água, que tanto modificaram a paisagem e a qualidade de vida na região; foi assim em 2013, quando foram às ruas reclamar a permanência dos seus direitos; e foi assim ano passado, em decorrência da ameaça de retirada de um governo eleito pelo povo.
Dona Josefa, da comunidade quilombola Sítio Alto, em Simão Dias (SE), já esteve presente em muitas dessas mobilizações. Ela conhece bem a importância de lutar pelos seus direitos. Há bem pouco tempo, a comunidade em que vive não tinha nem posto de saúde. Para ela, o impeachment representa a volta de uma burguesia que não se conforma em ficar fora do poder.
“As pessoas dizem que o Brasil está numa crise que não acaba. Então o remédio é tirar a presidenta? O que eles [deputados e senadores] fizeram foi um desrespeito ao pequeno produtor. Nós votamos de livre e espontânea vontade, escolhemos aquelas pessoas, e eles mostraram que são os donos do poder e chegaram lá e arrastaram [Dilma], sem saber se a gente estava achando bom aquilo ou não. Eles deviam respeitar e considerar o voto dos pequenos”, desabafa.
Nesta quinta-feira (9), Dona Josefa e Lourdinha vão mais uma vez às ruas participar de uma mobilização no centro de Aracaju, em protesto contra a redução e perda de direitos sociais em menos de um mês do governo provisório de Michel Temer (PMDB). O ato deve reunir mais de duas mil pessoas do campo e da cidade na praça General Valadão, no centro da capital sergipana.
“Não vamos perder de vista o que foi construído por nós. E ir para a rua é uma estratégia de união e reafirmação de que existimos e temos uma pauta para o Estado”, diz Roselita, do Pólo da Borborema. “A gente tem que lembrar que existe um governo que quer exterminar os direitos dos jovens. Eles querem proibir a gente de ir às ruas e falar o que a gente quer. Querem tirar o direito da gente estudar. Então, a gente também tem que falar, ir às ruas, de mostrar a eles que a gente tem poder”, convoca a jovem Tainá.