Por Najar Tubino, na Carta Maior
O nome é Gustavo Diniz Junqueira, 43 anos, natural de Orlândia, atual presidente da Sociedade Rural Brasileira, a vetusta entidade de 97 anos, que em março de 1964 ajudou a organizar a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, na capital paulista. Formado em administração de empresas, mestre em finanças pela Thunderbird School Management dos Estados Unidos, onde morou e trabalhou por seis anos. Trabalhou como “trader” – operador – para a corporação suíça Glencore, agora associada com a X-strata, uma das maiores do planeta. Especializou-se em fusões e aquisições e, segundo ele, em entrevista concedida ao site da SRB, “tive a oportunidade de participar do importante processo de privatização das estatais, que ocorreu no Brasil na década de 1990”. Logo em seguida, opera como consultor de investimentos, além de “sentar” no Conselho de Administração do Banco Pine.
Esse gênio do mercado financeiro – participou das privatizações com pouco mais de 20 anos – é o criador do slogan da SRB : “Vamos tirar o Brasil da lama” e antes do domingo 17, enviou uma carta aos associados e demais associações de patrões rurais do país:
“-O século XXI será diferente de tudo o que já vimos e exigirá grandes adaptações. As nações precisarão trabalhar para que a inovação, o empreendedorismo e a cooperação vençam os desafios do desenvolvimento desigual. Os governos terão que operar como facilitadores, e não concorrentes dos cidadãos”.
A Presidenta está incitando a violência chamando o golpe de golpe
A carta é longa. Acusa a presidenta Dilma Rousseff de manobrar para colocar Lula na Casa Civil cometendo “um crime de improbidade administrativa”.
“- E como se não bastasse, tem incitado à violência chamando irresponsavelmente de golpe o processo democrático que estamos vivendo. O nosso agronegócio representa a parte da sociedade mais equipada, tanto sob o aspecto econômico, quanto no social, para assumir a responsabilidade de capitanear a retomada do desenvolvimento do país. Representamos 1/3 do PIB e 40% dos empregos. Devemos ser o exemplo para toda a Nação, como cidadãos ávidos por inovar e intolerantes a práticas obsoletas”.
Nos 40% de empregos seguramente estão os mais de 12 milhões de pessoas que trabalham na agricultura familiar. Mas isso é apenas um detalhe na trajetória desse quatrocentão, descendente de nobres bandeirantes, escravocratas do II Império, quando Dom Pedro II distribuía títulos de nobreza a cafeicultores ricos, industriais, comerciantes, enfim, quem pudesse contribuir com uma graninha para o Império. Prestem atenção no vínculo familiar com a atividade agrícola do candidato a gênio financeiro:
“- Meus antepassados fundaram duas usinas em São Paulo. A Vale do Rosário, pelo meu bisavô – Nhonhô de Almeida Prado – e a Mandú, pelo meu pai, Roberto Diniz Junqueira. Atuamos na agricultura com cana, soja e milho e na pecuária com cria, recria e engorda de gado Nelore selecionado com propriedades em São Paulo, Pará e Minas Gerais. Criamos cavalo Mangalarga desde o século XVIII”.
Nome ideal para ministro da agricultura: Armínio Fraga
Gustavo Diniz Junqueira acha que o Brasil necessita de um novo projeto e para isso inclusive já entrou em contato com a equipe de Michel Temer, porque a SRB quer um ministro da agricultura com visão ampla, geral e irrestrita do mercado, ou seja, alguém que enxergue o Brasil rural pelas lentes da macroeconomia, ou seja, um operador do mercado financeiro. Nada de nomes regionais, especializados, tipo Kátia Abreu. O nome ideal é: Armínio Fraga. Esse realmente um operador de mercado, já trabalhou com George Soros – quando detonaram a moeda da Tailândia e Soros ganhou um bilhão de libras de lucro-, montou a Gávea Investimentos, depois de sair do Banco Central. Ato seguinte vendeu o controle para o JP Morgan dos Estados Unidos, onde também “senta” em uma cadeira do Conselho de Administração. Já FHC, que é um operador ideológico, “senta” apenas no Conselho Administrativo da Gávea Investimentos.
Gustavo, em sua carta fatídica do dia 17, oferecia as acomodações na Esplanada dos Ministérios: “organizamos uma grande estrutura para recepcionar produtores rurais de todas as regiões, que queiram se concentrar conosco até o final da votação”.
É preciso pensar o semiárido como Dubai e os Estados Unidos
Entretanto, nada é mais revelador das ideias do operador rural do que esta preciosidade:
“- Sobre a pobreza no Brasil: o Nordeste é um exemplo disso. O problema não é a falta d’água, e sim um misto de ausência de planejamento e de vontade política. É preciso pensar o sertão, o semiárido brasileiro, como por exemplo, Dubai e os Estados Unidos pensaram os seus respectivos desertos”.
Quem sabe uma Las Vegas brasileira em Quixadá, Ourucuri ou Areal. Na verdade, o quarto membro da geração dos quatrocentões bandeirantes só está expressando aquilo que a Sociedade Rural Brasileira martela há quase um século na vida política do país: o pior do reacionarismo, do imobilismo, contra os direitos dos trabalhadores do campo, a reforma agrária e a organização das comunidades e territórios rurais.
O Centro de Documentação Histórica da Fundação Getúlio Vargas tem um breve relato sobre a participação da SRB na vida política brasileira. Foi Eduardo Fonseca Cotching, ituano, de pai inglês e casado com dona Gertrudes, descendente dos Fonseca e Almeida Prado um dos realizadores da ideia de criar uma entidade nos moldes da Sociedade Rural Argentina, que sempre reuniu o que há de mais “terrateniente” na América Latina. O suprassumo do latifundiarismo. Entre os fundadores estavam Antônio Prado, ex-ministro da agricultura do Império – estamos falando de escravocratas -, o Conde Prates – Eduardo da Silva Prates, Júlio Mesquita – desde então o jornal Estado de São Paulo passou a ser o porta-voz da entidade e do baronato do café, que mandava na economia brasileira da época.
A SRB foi criada em 1919 e na assinatura da ata de fundação estavam cinco diretores do frigorífico Armour, quatro diretores da Leon Israel & Company, um diretor da Continental Products Co., além do próprio cônsul da Inglaterra em São Paulo e de Arthur Diederichsen, ligado à firma Theodor Wille, uma das principais companhias estrangeiras nos negócios do café. Sem contar os sócios remidos – 12 representantes de bancos nacionais e estrangeiros.
Sempre foi contra o direito à terra e a proteção aos trabalhadores
O mercado mundial do café estava em baixa no início dos anos 1920, e logo a SRB ameaçou o presidente Epitácio Pessoa de rompimento com a União se não desse um jeito na situação. Por conselho do Conde Alexandre Siciliano autorizou a compra de quatro milhões de sacas, por um custo de nove milhões de libras, empréstimo contraído na Inglaterra em fevereiro de 1921. Um trecho do histórico do CEDOC da FGV:
“- Conservadora em questões sociais, a sociedade se insurgiu em fevereiro de 1921 contra a regulamentação do trabalho agrícola elaborada pelo Bureau International Du Travail, órgão da Liga das Nações. Na década de 1950 a relação entre a SRB e o governo Vargas – 1951 a 1954- voltou a esfriar. A entidade reagiu às iniciativas governamentais no sentido de promover a reforma agrária, introduzir leis trabalhistas no campo e organizar sindicatos rurais, opondo-se também à criação do Serviço Social Rural (SSR), órgão que tinha por finalidade fornecer serviços sociais e assistência técnica ao homem do campo – proposta por Vargas e aprovada na presidência de João Café Filho – 1954-1955.”
Para encerrar: ajudaram a criar a Bancada Ruralista
Nos anos 1960, a pressão da SRB contra a reforma agrária e o direito dos trabalhadores do campo continuou. Combateu o projeto do governo João Goulart – 1961 a 1964- de estender direitos trabalhistas ao campo, que culminou com a aprovação do Estatuto do Trabalhador Rural, de 1963. E mais: também combateu o Estatuto da Terra instituído em 1964 pela ditadura militar, “cuja instauração em abril daquele ano foi por ela firmemente aplaudida”, como diz o texto da FGV.
Para encerrar a nobre missão nacional da SRB, em 1988, no final da Assembleia Nacional Constituinte, a entidade formou a Frente Parlamentar da Agropecuária, que não é nada mais, nada menos, do que a famigerada Bancada Ruralista. Portanto, o descendente dos quatrocentões e atual presidente da SRB continua a saga dos bandeirantes contra os direitos dos povos tradicionais, que na época dos seus tetravós eram escravos e perseguidos como moeda de troca, contra a independência e soberania do país, contra a diversidade de ideias, contra a evolução das tecnologias limpas e baseadas na biodiversidade brasileira, enfim, contra a liberdade do povo brasileiro, algo que ele nunca conheceu na vida.