Por Elka Macedo e Verônica Pragana – Asacom,
Nas zonas rurais do Semiárido brasileiro, em geral, as mulheres assumem as atividades domésticas, o gerenciamento dos alimentos e da água e a produção de alimentos ao redor de casa. Pela invisibilidade e desvalorização deste trabalho, a mulher tem ocupado um lugar de auxiliar e não de protagonista no sistema produtivo familiar. Segundo dados levantados pelo IBGE no Censo 2000, 59,5% das pessoas sem renda monetária ou que têm, como única fonte de renda, os benefícios governamentais no Semiárido, são mulheres.
Para mudar esse quadro, a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) tem usado como estratégia a inclusão das mulheres nas ações de convivência com o Semiárido. “O trabalho em rede tem atingido a população do campo e, especialmente, tem envolvido as mulheres para que participem de forma mais ativa nas políticas públicas de acesso à água. Isso contribuiu para que elas deixem de ser vistas como ajudantes no processo de produção e assumam seu papel de protagonistas”, assegura a coordenadora executiva da ASA pelo estado da Paraíba, Glória Araujo.
Neste sentido, com água mais perto de casa para beber, plantar e criar animais, os quintais são potencializados como espaços de produção de alimentos e as mulheres passam a ter mais autonomia sobre o que produzem, consomem e comercializam. Isso concede a ela o poder de decidir sobre o destino da renda adquirida com a venda da produção.
Jovita Gonçalves da Cruz tem 70 anos, mora na comunidade Marruá, no município de Uauá, na Bahia, e é membro da Cooperativa Agropecuária Familiar de Canudos (Coopercuc). Ela é uma mulher que, por participar de cursos e intercâmbios promovidos pelas organizações de fortalecimento da agricultura familiar, aumentou seu conhecimento e conquistou sua autonomia.
“Quando a gente conhece nossos direitos com a política, com a economia, com a sociedade e com a comunidade a vida da gente melhora. Antes eram os homens que tinham voz ativa, hoje homem não empata mulher de falar nem de fazer o que ela quer. A mulher tem destaque em tudo”, afirma dona Jovita.
Rompendo limites de casa – Nos últimos anos, têm aumentado progressivamente o número de mulheres nas capacitações oferecidas pela ASA. Elas participam dos cursos representando as famílias que foram contempladas com as tecnologias que acumulam água da chuva para consumo humano (1ª água) e produção de alimentos (2ª água).
No Programa Um Milhão de Cisternas, 61,9% (358.788) das pessoas que participaram do curso de Gestão dos Recursos Hídricos, desde o início do programa em 2003, são mulheres.
No Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2), de 2010 a 2015, elas deixaram de ser menos da metade das turmas das capacitações – 46,13% – e passaram a ocupar 55,2% das vagas dos cursos. Nos intercâmbios, atividade do P1+2 de grande importância para a construção coletiva do conhecimento, as mulheres passaram a ser maioria – 52,5% – no intervalo de 2010 a 2015.
Outro fato que demonstra a intenção da ASA de incluir as mulheres nas ações de convivência com o Semiárido, é que mais da metade (53,6%) das tecnologias de segunda água construídas são as cisternas-calçadão, implementadas principalmente no quintal, área da propriedade familiar que está sob a gestão e cuidados da mulher.
Mas, a simples presença das tecnologias nos quintais não garante por si só o envolvimento das mulheres nos processos formativos. “É preciso ter também uma abordagem que valorize o poder de decisão das mulheres, trazendo-a como protagonistas”, reforça Glória.
Estratégias das organizações – Para Tárzia Medeiros, da organização potiguar Techne, também não basta a cisterna estar cadastrada no nome das mulheres. É preciso trazer as mulheres para as capacitações. Ela conta que a Techne adaptou os conteúdos dos cursos para introduzir elementos da economia feminista. “Buscamos mensurar [nos cursos] o que era produzido pelas mulheres e não era vendido para mostrar que isso tem valor e estimular as mulheres”, exemplificou Tárzia.
Já no Centro Sabiá, organização de Pernambuco, a inclusão das mulheres acontece dentro e fora da organização. De acordo com o coordenador local da instituição no agreste, Carlos Magno, é uma prioridade garantir que 50% da equipe seja formada por mulheres e que as formações sejam feitas em parceria com movimentos de mulheres.
“Não fazemos debate a partir de estudos e pesquisas, a gente chama movimentos de mulheres, como o MMTR [Movimento das Mulheres Trabalhadoras Rurais] que é parceiro nosso, para facilitar momentos com as agricultoras. Concretamente, a gente finalizou, em março, a Escola Feminista para agricultoras e técnicas. A formação discute trabalho produtivo e reprodutivo, violência e outros assuntos. Para nós, as mulheres têm que se empoderar com relação a estes temas e enfrentar os preconceitos, discutindo seus direitos com os homens”, enfatizou Magno.
Segundo Glória, na Paraíba, algumas organizações têm discutido a divisão social do trabalho em todos os subsistemas produtivos e na casa. “A importância de debater essa questão nos processos formativos faz as mulheres perceberem sua importância e ver o quanto há de exploração do trabalho delas. Isso também faz com que a família e a comunidade valorizem e reconheçam o esforço delas, que são as primeiras a acordar e as últimas a dormirem”. Glória também elenca outras temáticas que são discutidas nas capacitações, como a violência contra a mulher em suas várias matizes – física, psicológica, econômica, etc.