Jaru (RO) – Após muitos anos de luta, agricultores, movimentos sociais, professores, dentre outros segmentos, fazem a Escola Família Agrícola (EFA) Dom Antônio Possamai, a única no estado com ênfase em agroecologia, funcionar no município de Jaru (RO). Num terreno de 13 alqueires cerca de 150 alunos têm a chance de estudar a partir do método da pedagogia da alternância, que veio da França ao Brasil e intercala períodos integrais de aulas práticas e teóricas voltadas para a agricultura familiar na escola e na casa dos alunos. A primeira turma vai se formar no final de 2016, e não falta pretendente a estudar no local.
“Sonhamos nos anos 80, envolvemos a igreja, associações e moradores até conseguir um pedaço desta área. Anselmo de Jesus, deputado federal, foi o pai desta EFA através de uma emenda para a obra. Nosso projeto era ignorado pelo governo local, elegemos um prefeito e conseguimos ampliar. Temos apenas a metade da estrutura física da escola, mas já tem muita coisa. Passamos a formar cidadãos”, lembrou um dos pioneiros, Seu Geraldo Bandeira.
Buscando sua auto suficiência, a escola tem como uma de suas prioridades fornecer alimento aos estudantes a partir das plantações por eles produzidas. O roçado, hortas, árvores frutíferas, plantas medicinais, dentre outros cultivos, são produzidos nas aulas práticas do colégio. Tudo vai para a alimentação dos alunos, a fim de reduzir os custos do estabelecimento. É paga uma mensalidade de R$ 250,00, além dos recursos financiados por políticas públicas do governo, sendo que muitos deles estabelecem outros valores: alguns pais doam gado ou alimentos em troca da mensalidade do filho, por exemplo.
Ao todo são quatro anos de curso, o último deles só de aulas práticas. Os alunos passam doze dias no colégio, permanecendo o restante do mês em casa. No começo, segundo alguns jovens, é difícil a adaptação. São duas turmas de faixas etárias diversas que se revezam, de modo a não deixar a escola vazia. No período das férias o vigia toma conta. Com uma metodologia auto gestionada, os jovens são divididos por setores dos quais são responsáveis: horta, compostagem, alimentação, produção de biofetilizantes, etc. Não há separação de gênero nas tarefas. São escolhidos monitores, alguns deles alunos mais veteranos, para orientar os trabalhos e estabelecer um diálogo com os pais caso necessário. O intercâmbio entre as Escolas da região, visitas às experiências agroecológicas, palestras e atividades audiovisuais, além da celebração da palavra aos domingos, fazem parte da metodologia.
A roça tem um terreno de 250m por 150m, só conseguiram colher até o agora o milho e a abobora e estão para tirar o arroz.“Estamos plantando agora mucuna para nitrogenar o solo. Fazemos visitas de estudo em propriedades para implantar essas técnicas agroecológicas e de transição do convencional para o ecológico. A maioria dos alunos vem de sítios de agricultura convencional,e as pessoas que visitamos passam com tanto entusiasmo esse ensinamento que vemos ter fundamento e futuro. A dificuldade é levar essa visão aos nossos pais, que usam venenos. É uma mudança na base do convencimento aos poucos, porque a transição dura de 5 a 10 anos”, afirmou Lucas de Oliveira, estudante de 19 anos.
O bosque é para eventos, aulas e descanso dos alunos. Aproveitam o horário letivo para aplicar estudos buscando reduzir custos da escola. Há ainda uma área de recuperação de nascente, aulas de catalogação de árvores, um minhocario para produção de mudas frutíferas e ornamentais, no qual usam esterco e bagaço de cana para controlar. Na horta medicinal, que é a área de saúde da escola, plantam remédios e repelentes naturais para as plantas. Estão experimentando um banco de sementes para a redução do custo de produção. Tudo é pensado no reaproveitamento do ecossistema. A compostagem de resíduos orgânicos é um componente fundamental nesse sentido.
As regras são rígidas no colégio, e sujeitas a penalidades. É feita uma pré seleção em busca de jovens com perfil adequado à agricultura agroecológica. Alunos relataram que muitas pessoas saíram por falta de identificação com a proposta, mas por outro lado os que ficam não repetem o ano. Todos são aprovados porque o próprio programa exige muito do aluno, e a disciplina faz parte do bom funcionamento. Homens e mulheres dormem em quartos separados, e muitos fatores são avaliados na nota de comportamento. “O que estamos organizando para o futuro do país é a agroecologia”, destacou o Presidente da Associação, Renato Alves Caldeira.
Projetos Futuros
Os alunos elaboraram um planejamento para implementação de outras culturas, bem como a criação de animais. Já fizeram piquetes para o pastoreio bovino, que servirá para a merenda escolar, e uma pocilga que já tem um casal de porcos. Um dos objetivos é também ter autonomia de estercos para adubação, já que pegam as fezes dos animais dos vizinhos. Também acessaram uma política pública chamada PAIS (Produção Agroecológica Integrada e Sustentável), que consiste em um sistema de produção agroecológica de hortaliças, frutas e pequenos animais, dispostos numa mesma área e de forma circular, tendo como pressuposto a racionalização de recursos naturais.cercado No núcleo central serão criadas 150 galinhas e visa fortalecer a horta do colégio além de fornecer ovos e a carne das aves. As galinhas ainda ajudam no controle das pragas, lagartas, lesmas e caramujos, além de fornecer esterco para adubação do terreno.
Estão planejando também um sistema consorciado, uma espécie de agrofloresta, de modo a aproveitar alguns elementos da própria biodiversidade amazônica para recompor a fertilidade da terra e manter uma produção permanente e diversificada. São os próprios alunos que elaboram e executam os projetos. O controle desses sistemas são experimentados com bioferlizantes naturais criados por eles mesmos, tais como a mistura de água, melão de são caetano, cana e pó de osso. “Não existe praga, existe inseto com fome”, disse um jovem. Está em experimento o cultivo de um cacau clonado mais resistente elaborado em laboratório.
A permanência dos jovens no campo
Uma escola do campo para o campo, essa é a essência da proposta. Os estudos são todos voltados para a realidade local, de modo a garantir maior capacitação do jovem no ambiente rural. A educação diferenciada estimula a permanência do jovem no campo. E a ideia é que eles levem para casa os ensinamentos. “Se fizermos um modelo em nossa propriedade, podemos convencer os vizinhos”, disse um aluno.
De acordo com um dos professores, Edivaldo Napoleão Sobrinho, a viabilidade da agroecologia tem sido comprovada nas visitas dos alunos às experiências. “Não é só na teoria, e reforça nossa perspectiva de sair de um estilo tradicional de plantar para uma visão libertadora. É uma luta que vale a pena, e temos muita esperança no entusiasmo dos educandos. Tem ainda o Projeto Profissional do Jovem (PPJ) para o aluno aplicar seu ensino em casa, garantindo a forma agroecológica pelo menos no entorno”, disse.
A expectativa de muitos alunos é cursar uma faculdade para ficar no campo. Segundo alguns relatos, esperam qualificar seus trabalhos para gerenciar pequenos empreendimentos ou prestar serviços de assessoria técnica. Podem até virar monitores em outras EFAs, ou receberem indicação para outros locais. Tudo pensando em converter outros agricultores para um modelo de produção mais saudável. “A agroecologia traz nova forma de cultura, traz o conhecimento antigo dos nossos antepassados”, disse o estudante Rafael Henrique.