A I Conferência Regional de Política Indigenista terminou na última quinta-feira (17) com a leitura das propostas priorizadas nos eixos temáticos e a aprovação das moções. O encontro, que contou com cerca de 2 mil delegadas/os indígenas e não indígenas, teve como objetivo discutir a relação do Estado brasileiro com os povos indígenas.
Lideranças indígenas e representantes de organizações avaliaram o processo, seus resultados e apontaram perspectivas pós-Conferência.
Em um documento no qual avalia a realização da Conferência, a Relatora de Direitos Humanos e Povos Indígenas, Erika Yamada, destaca a necessidade de maiores esforços por parte do Governo brasileiro para o cumprimento do dever do Estado de consultar os povos indígenas também sobre todas as medidas legislativas que afetem seus direitos, suas terras e suas vidas.
Para Cléber Buzatto, Secretário Executivo do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), a Conferência foi um espaço importante de articulação, especialmente num momento complexo da conjuntura que os povos indígenas vivem. “Esperamos que a Conferência seja um ponto de chegada e ao mesmo tempo um ponto de partida no processo de potencialização das articulações e mobilizações dos povos em defesa de seus direitos e seus projetos de vida”, afirmou Cléber.
Representantes da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do NE, MG e ES – APOINME e a da Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul – ARPINSUL também falaram da expectativa em torno das homologações de terras indígenas e dos compromissos a serem cumpridos pelo governo. “Demarcação é respeito, e espera-se que o presidente da Funai não traia a confiança dos povos indígenas”, disseram.
A representante da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI) destacou que as promessas devem ser cumpridas e que a Conferência é a afirmação das identidades indígenas e da necessidade de se assegurar os direitos constitucionais. Espera-se, avaliou ela, que a responsabilidade e a competência com que os indígenas se dedicaram à conferência também sejam demonstradas pelo governo.
Na mesa de encerramento com o tema “Pacto para o Futuro”, Sônia Guajajara, da coordenação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), afirmou que esperava atos mais concretos dos ministérios e secretarias representados na Conferência para que o pacto com o governo fosse mais ampliado. “Queremos acreditar que é possível uma mudança de postura, de relação do Estado com os povos indígenas, que se acabe com o genocídio velado que se pratica todos os dias nos quatro cantos do país. O que os indígenas estão fazendo é um pacto entre eles. Um pacto de luta, de posicionamentos comuns pelo cumprimento e respeito de seus direitos. vamos continuar organizados e resistentes, contra as hidrelétricas e contra os projetos de lei que retiram direitos”, afirmou a liderança indígena.
Criação do Conselho e homologações de TIs
Durante o discurso de abertura a presidenta Dilma Rousseff anunciou a criação do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI) e a homologação de terras indígenas.
O decreto de criação do Conselho foi publicado no Diário Oficial no mesmo dia do encerramento da Conferência. O novo órgão substitui a atual Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), terá caráter apenas consultivo – o que foi alvo de críticas por parte de lideranças e organizações – e será responsável pela elaboração, acompanhamento e implementação de políticas públicas voltadas aos povos indígenas.
Na sexta-feira (18) foram publicadas as homologações de quatro terras indígenas, todas no Amazonas: Terra Indígena Arary, localizada no município de Borba, destinada à posse permanente do grupo indígena Mura; Terra Indígena Banawá, municípios de Canutama, Lábrea e Tapauá, destinada à posse permanente do grupo indígena Banawá; Terra Indígena Cajuhiri-Atravessado, localizada no município de Coari, destinada à posse permanente dos grupos indígenas Miranha, Cambeba e Tikuna; e Terra Indígena Tabocal, município de Careiro, destinada à posse permanente do grupo indígena Mura.
Mesmo com estas homologações, nos últimos cinco anos apenas 14 terras foram homologadas – foi o governo que menos demarcou terras desde o fim do regime militar. Atualmente, há pelo menos 300 terras indígenas cujo processo demarcatório ainda não foi finalizado, e outras 334 reivindicadas pelos povos indígenas e ainda sem nenhuma providência para sua demarcação.
Metodologia e propostas aprovadas
A mudança de metodologia durante os trabalhos da Conferência foi criticada por alguns participantes. No eixo 3, “Desenvolvimento Sustentável”, foram aprovadas propostas que traziam temas novos e que, segundo alguns representantes indígenas e indigenistas, foram aprovados sem o amadurecimento conceitual e entendimento das implicações colocadas. Por exemplo, em torno do extrativismo mineral em terras indígenas (hoje proibido), da parceria pecuária (que legitimaria o arrendamento) e da incompatibilidade de sobreposição de unidades de conservação em terras indígenas.
Por outro lado, avaliações positivas foram destacadas. No eixo 2, “Autonomia, consulta e participação”, indígenas que vivem em contextos urbanos, em terras indígenas no nordeste, no Centro-oeste e na Amazônia encontraram convergência de opinião com relação à ao reconhecimento da identidade indígena a partir da chancela de pertencimento dos povos a qual pertençam os indivíduos assim autodeclarados. Também foram enfáticas e convergentes as propostas de diretrizes para o cumprimento do dever do Estado de consultar de boa-fé, de maneira livre, prévia e informada nos termos da Convenção 169 da OIT.
No eixo 4, “Direitos individuais e coletivos”, destacaram-se propostas que versam sobre a atenção às mulheres, jovens e crianças indígenas, bem como ao direito de convivência familiar de crianças e comunidades indígenas, bem como aquelas que reforçam a importância do direito à educação diferenciada e específica que deve ser fortalecida com a criação de um Sistema Próprio de Educação Escolar Indígena.
Ainda com relação à metodologia da etapa nacional, diferentemente das etapas locais, alguns representantes indígenas relataram que a diferença entre os povos com relação ao domínio da língua portuguesa atrapalhou a participação de forma equilibrada entre os diferentes grupos.
Moções aprovadas
• Apoio aos processos de regularização fundiária, a exemplo das terras indígenas Guarani-Kaiowá e Terena no MS e da terra indígena Kapot-Nhinori, onde o cacique Raoni nasceu;
• Repúdio ao PL 1057 (“infanticídio”), que visa criminalizar mulheres indígenas (exigiu-se também a responsabilização de ações de proselitismo religioso, roubo de crianças indígenas, difamação e genocídio praticado pelas entidades missionárias JOCUM e ATINI);
• Repúdio ao Plano de Desenvolvimento Agropecuário (PDA) do Matopiba, que prevê a expansão da fronteira agrícola em áreas dos estados do Maranhão, Piauí, Bahia e Tocantins;
• Apoio aos guardiões indígenas no Maranhão, onde o fogo queima as terras indígenas desde setembro e aguarda medidas efetivas;
• Apoio ao fortalecimento da Funai, inclusive com a criação de novas coordenações regionais a exemplo da região de Eirunepé/AM onde há apenas 1 funcionário para atender cerca de 5000 indígenas.
* Com informações de Erika Yamada, Relatora de Direitos Humanos e Povos Indígenas da Plataforma de Direitos Humanos – Dhesca Brasil
Publicado em 22 de dezembro em DHESCA Brasil Plataforma de Direitos Humanos – www.plataformadh.org.br