Fortalecer as redes agroecológicas no estado do Mato Grosso e conscientizar a sociedade, esses foram alguns dos objetivos do Seminário Regional de Comercialização da Agricultura Familiar e Agroecológica. O evento contou com a participação de aproximadamente 50 pessoas, em sua maioria agricultores e agricultoras, nos dias 26 e 27 de novembro. Promovido em Cáceres (MT) pelo Grupo de Intercâmbio em Agroecologia (GIAS) e a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), o seminário faz parte de uma série de encontros regionais no estado para a construção de um Plano Estadual de Agroecologia.
Ao analisar a conjuntura política e econômica no estado, Leonel Wohlfahrt, técnico da FASE, explicou as formas de funcionamento do capitalismo contemporâneo. Para ele, é preciso situar a agricultura familiar no atual sistema para construir estratégias de fortalecimento do campo agroecológico. “Para o capitalista é tudo negócio, ele compra equipamentos, força de trabalho, sua lógica gira em torno do lucro. Enquanto o camponês não tem dinheiro, mas tem mercadorias produzidas com o seu trabalho que são trocadas ou vendidas para melhorar de vida. O capitalista sempre controla a economia ou a política explorando o trabalho e a natureza, e usa as escolas como instrumento pedagógico. O agronegócio quer dizer que alguma coisa rural tem que dar dinheiro e não importa como”, disse.
Segundo ele, são três grandes pilares que sustentam o capitalismo no Brasil: recursos públicos, legislação pertinente para sua reprodução e tecnologias baseadas na concentração do conhecimento. Para reforçar sua tese, o agrônomo lembrou que em 2007 o BNDES emprestou R$ 9,5 bilhões para três grandes empresas, e o Banco do Brasil utilizou R$ 790 bilhões nos últimos 5 anos para o agronegócio. Além das grandes obras da energia, estrada e mineração. Em relação à legislação, nos últimos 32 anos temos o mais retrógrado parlamento atacando direitos dos trabalhadores: cerca de 340 parlamentares receberam dinheiro de campanha de 10 empresas, e em 2012 a JBS foi a maior doadora nas prefeituras.
“A Cargil começou com sementes principalmente de soja e milho no sul, na década de 80, e tem planejamento para gerações. Hoje tem mais de 1100 produtos. Seu planejamento no Brasil está pronto, tem sob seu controle satélites, energia eólica, navios cargueiros, etc., para garantir sua estabilidade de gastos. Temos de reconfigurar nossas interpretações, e não reproduzir as informações da mídia. Combater nas contradições e apostar na reforma agrária, fortalecer e construir nosso modo de produzir agroecológico. A valorização da cultura é que contribui para a permanência das populações rurais”, concluiu.
15 anos de Luta e Resistência
O Grupo de Intercâmbio em Agroecologia (GIAS) iniciou suas lutas em 1999, e hoje é referência no Mato Grosso. Com o lema Semeando a Agroecologia e a Soberania dos Povos, articula diversos movimentos em todas as regiões do estado. Iniciou com a FASE, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), dentre outras organizações, e hoje integra 12 entidades em sua coordenação política.
De acordo com Vicente Puhl, diretor da HECKS Brasil, o motivador do GIAS era denunciar o modelo predominante de agricultura no estado que tem todas as políticas a seu favor, e anunciar nossa forma de produzir. Pressionar os governos para financiar os projetos, como uma cadeia produtiva para fazer 30 produtos diferentes para o desenvolvimento da região, são algumas das suas iniciativas, acrescentou. Muitas pessoas estão morrendo por câncer e a conexão da doença com esse modelo está sendo cada vez mais comprovada, alertou.
“Juntamos várias organizações para lutar no estado, que está ligado às grandes produções, como a soja. Precisávamos de uma campanha para mostrar outro MT que existe para além dos tratores e maquinários. Fizemos uma campanha estadual pela agricultura sustentável. Tínhamos que denunciar os venenos que vão aos rios, plantações, etc., e davam prejuízos às comunidades. Fizemos projetos, ações de comercialização coletivas, constituição de uma rede de troca de sementes, eventos regionais para anunciar e denunciar. Criamos uma cadeia produtiva ao redor do baru, proteína de primeira qualidade, que era destruído para plantação de soja”, afirmou Puhl.
“É muito importante valorizar essa trajetória do GIAS, e levar em conta sua importância para o fortalecimento da agroecologia no território. A ANA tem dedicado muita energia para incidência política em Brasília, mas sempre seguindo o princípio de construir suas propostas a partir das iniciativas territoriais. É dessas experiências que extraímos as dificuldades, inovações, aprendizados, que podem inspirar outras e virar políticas para beneficiar a agricultura familiar de forma mais abrangente. Estamos num momento de retrocesso e ameaça de perda de direitos, isso reforça a importância dessa nossa estratégia de nos articularmos nas regiões”, afirmou Flavia Londres, da secretaria executiva da ANA.
Agricultores e agricultoras relataram prejuízos nos seus quintais por conta de venenos utilizados pelos vizinhos. Alguns criticaram o fato de, ao invés de ser utilizada para plantar feijão para as famílias, a terra ser devastada com a produção de cana. “Ao analisar a força dos dominadores, a gente fica preocupada. Ver a raiz desse mal que domina o mundo com o capitalismo. É tudo escondido para nós, e essa criminalização das organizações sociais que buscam mudar a consciência dos pobres. Deixam os pequenos da cidade e do campo sem entender esse sistema opressor. Precisamos adquirir conhecimento, nossas escolas são moldadas para preparar os jovens a ser mercadoria e ajudar as empresas. Temos vários sinais de outra visão de mundo possível, que precisa ser construída pelos que mais sofrem. Todos nascemos nesse mundo bonito cheio de riqueza, que não pode ser destruído por poucos”, destacou a agricultora Miraci Pereira Silva.
“Nesses 15 anos fizemos muitas coisas. Aumentamos o número de organizações que participam da rede, incluindo indígenas e quilombolas. O acesso ao PAA (Programa de Aquisição de Alimentos) a partir de 2005 fortaleceu a comercialização, demos continuidade à formação e avançamos na comunicação. Em 2013 foi lançado o Planapo (Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica) que tem possibilitado a várias redes acessar os recursos. As ações do GIAS têm conexões com a base, o projeto ECOFORTE é um exemplo. Os recursos ainda são poucos e com muita burocracia, mas somos persistentes. Apresentamos ao governo estadual um plano de agroecologia”, destacou Fátima Aparecida, coordenadora da FASE/MT.
Representando o movimento indígena da região, Alexandra Leite, da etnia Chiquitano, na fronteira com a Bolívia, criticou a falta de respeito à vida das comunidades e povos tradicionais. Sem terra e água, segundo ela, os quilombolas, ribeirinhos e indígenas não têm vida. “O governo não olha para nós, mas vamos morrer lutando pelos nossos povos. Vivenciamos a agroecologia desde sempre em nossos territórios. A maior parte da nossa comida ainda é natural, são sementes tradicionais ainda, servimos em nossas casas e escolas. Nossa preocupação atual é trabalhar com os jovens que querem ir pra cidade estudar e não voltam, eles saem das universidades com a visão de grande escala que não é bom para o seu povo. Trabalhamos na revitalização da nossa cultura”, disse.