Cinco experiências de redes de agroecologia que compõem a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) foram apresentadas durante o Seminário Dialoga Brasil Agroecológico, realizado entre os dias 16 e 18 de setembro, no Palácio do Planalto, em Brasília (DF). As ações regionais dessas organizações articulam centenas de experiências agroecológicas em todo o Brasil. O evento, organizado pela Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Cnapo), teve como objetivo avançar na elaboração do II Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, que terá vigência no período 2016-2019. A atividade contou com a participação dos ministros Miguel Rossetto e Patrus Ananias.
Segundo Laudemir Müller, secretário executivo da Secretaria Geral da Presidência da República, há uma expectativa grande do governo em relação ao segundo Planapo. É uma proposta que vinha sendo trabalhada há algum tempo e precisa ser avaliada de forma participativa, já que organizar a agricultura familiar referenciada na agroecologia é um projeto que o governo quer para o meio rural, acrescentou.
“Temos uma avaliação bastante positiva do que fizemos, e estamos projetando nosso futuro. Precisamos consolidar e alargar as nossas conquistas. Criamos uma institucionalidade para trabalhar a agroecologia de forma organizada. A forma de governança desse plano é fundamental com sua sistemática de trabalho participativa. E reafirmamos o compromisso de lançar o PRONARA (Programa de Redução do Uso de Agrotóxicos) ainda este ano. Precisamos conquistar a sociedade com o tema da agroecologia, através do meio ambiente, da alimentação saudável e a saúde. Superamos a fome, mas temos outros desafios e devemos comunicá-los ao conjunto da sociedade”, concluiu.
De acordo com Irene Cardoso, presidente da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA) e integrante da ANA, as metodologias das políticas precisam estar alinhadas às características dos biomas. É necessário, nesse sentido, um arranjo institucional com autonomia da sociedade civil em parceria com o governo. Ela deu como exemplo a questão da água, cujas experiências da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) e suas lições ao Brasil estão em risco com a redução de recursos nos programas das cisternas.
“Nosso plano não pode ser monitorado só a partir das iniciativas que estão no plano, e sim nos territórios e experiências que vêm desde o descobrimento do Brasil. Precisamos de iniciativas que massifiquem a agroecologia na base, e para isso uma estratégia e metodologia que reflita a construção do conhecimento que é refém dos técnicos, cientistas e professores. A pesquisa é importante, mas não é só a Embrapa que produz ciência nesse país. E é preciso que o plano reconheça o protagonismo das mulheres na construção desses planos, de modo a fortalecer suas políticas: sem feminismo não há agroecologia”, afirmou.
Agroecologia no Semiárido
A experiência da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), que é formada por 3 mil organizações na região nordeste e no norte de Minas Gerais, foi apresentada pela integrante da coordenação executiva da organização Cristina Nascimento. Segundo ela, o trabalho em rede visa o desenvolvimento de políticas de convivência com o semiárido, e o desenvolvimento rural sustentável referenciado em valores culturais e de justiça social.
A ASA foi criada em 1999 e todos os seus projetos são baseados na economia de estoque, seja de água ou sementes, por exemplo, tanto para o consumo humano quanto aos animais como estratégia milenar das famílias da região. Tudo é feito na perspectiva da construção do conhecimento local a partir da mobilização, complementou Cristina.
“Ação de debate e construção política, fortalecendo as redes e a cidadania. Os recursos são aportados na parceria com o governo, recursos privados e cooperação internacional. Estamos correndo o risco de até 70% nas ações da ASA com esse ajuste fiscal. Chegamos a quase 600 mil cisternas em 9 estados, e quase 90 mil famílias com tecnologia para estocar água para produção, assim como 2.500 escolas com cisternas para garantia dos estudos das crianças frente a várias escolas rurais sendo fechadas. São 640 bancos de sementes envolvendo 13 mil famílias. O semiárido pode ser a maior região de produção de alimentos saudáveis”, destacou.
Cooperativas em Rede na região Sul
A Rede Ecovida tem um sistema de abastecimento e comercialização bastante avançado nos estados de Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná. São 28 núcleos em 200 municípios, com aproximadamente 140 feiras agroecológicas em atividade e cerca de 300 grupos envolvendo associações, cooperativas, ONGs e outras organizações, de acordo com Diva Deitos, da Associação de Pequenos Agricultores do Oeste de Santa Catarina (Apaco), que atua em Chapecó há 26 anos.
Segundo ela, a melhor coisa foi atuar nos colégios. “São as crianças que estão definindo o que querem comer, é um impacto muito grande com mudanças de hábitos alimentares. Sou produtora certificada orgânica e se tivesse recursos estaria com centenas de famílias, porque não temos dinheiro para ter certificação da nossa organização. Não devemos esperar tudo do governo não, devemos fazer”, disse.
A Apaco faz o resgate dos milhos crioulos, a produção a base de pasto do leite orgânico, cultiva frutas e hortaliças agroecológicas, além da adubação orgânica e os produtos fitoterápicos. Atualmente, quase toda sua produção é vendida através do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Agora estão retomando o processo de suinocultura, e têm uma forte produção com as agroindústrias.
Museu da Amazônia fortalecendo a agroecologia
Apesar de nova na região, a Rede Maniva de Agroecologia no Amazonas (REMA) vem fortalecendo a agroecologia nos territórios da região. Os projetos do Museu da Amazônia (Musa), no Jardim Botânico Adolpho Ducke, em Manaus (AM), fazem parte desse processo. Na perspectiva de um museu vivo, em interação com a floresta, foi criado um centro de treinamento e intercâmbios. Chamados pelo Incra em 2009, passaram a atuar no assentamento ao lado, área de conflito com madeireiros.
“A ideia é incentivar o cultivo racional dos recursos naturais para a preservação da floresta com os ribeirinhos, indígenas, etc. Há três anos promovemos cursos. Há dificuldade de acesso às comunidades por conta dos transportes fluviais, e de repasse de recursos por parte do governo. Mesmo assim atuamos em áreas distintas, principalmente com agroflorestas. O Projeto Saberes e Sabores, por exemplo, cultiva o incentivo de plantios não convencionais da região. Estamos caminhando para a SPG, tem a única feira orgânica de Manaus, promoção de intercâmbios com os agricultores, participação no CBA”, afirma Eric Brosler, do Musa.
A expectativa atual é de o Projeto Ecoforte estruturar Unidades de Referência para mostrar aos agricultores e fortalecer esse modo de produção regional através de troca de experiências, oficinas, debates e estratégias de comercialização visando o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Nesse sentido, muitos desafios são apontados: desburocratização dos processos, falta de formação e investimento na Assistência Técnica (Ater), valorização e reconhecimento da biodiversidade e conhecimentos tradicionais na Amazônia, alterar políticas existentes que conflitam com realidade e costumes tradicionais, etc.
Norte de Minas em favor da agroecologia
A monocultura de eucalipto que cresceu na década de 1970 como símbolo de modernidade e desenvolvimento, assim como os grandes perímetros de irrigação, trouxeram uma série de consequências às comunidades do cerrado mineiro. Área de transição com a Caatinga e a Mata Atlântica, de muita riqueza ambiental e de muitos povos e comunidades tradicionais, enfrenta diversos desafios. A agricultura familiar como a gente conhece hoje é muito diversa: Geraizeiros, caatingueiros, apanhadores de flores, vazanteiros, dentre outras identidades, caracterizam a agricultura familiar local.
“Todos foram ficando encurralados perdendo suas terras, e depois reassentados em locais sem saberem seus direitos. É importante essa diversidade sociocultural para entender as regiões e a agroecologia, populações quilombolas e indígenas que trazem um conjunto de informações sobre o manejo dos agroecossistemas: isso, sim, é a modernidade. O Brasil não é tão urbano quanto nos parece. Ao exterminar essas comunidades, a gente perde conhecimento e biodiversidade. Precisamos desmistificar que é uma região que não produz, e restaurar seus ecossistemas”, afirmou Álvaro Carrara, coordenador do Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas (CAA-NM).
É nesse cenário que a agroecologia surge em contraponto ao processo de modernização na década de 1980. O CAA-NM,criado em 1985, integra povos e comunidades tradicionais em 5 núcleos territoriais. Executa políticas públicas junto à população local nos territórios, promove o resgate de sementes crioulas, articula a diversidade dessas práticas produtivas e organizações, realiza feira livres, frente ao agronegócio que vai atualizando seu projeto na região.
A importância do extrativismo na Amazônia
Seringueiros, castanheiros, açaizeiros, pescadores, copaibeiros, dentre outros segmentos, compõem o conjunto de extrativistas que habitam a Amazônia. Pela dificuldade de acesso aos territórios enfrentam diversos desafios, como a barreira geográfica aos recursos e políticas públicas. O Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), criado na década de 1980 por Chico Mendes, atua na perspectiva de articular e fortalecer a luta dos povos das florestas. Associações e cooperativas de várias cadeias produtivas buscam a comercialização e logística dos seus produtos nesse contexto.
“O extrativismo é totalmente diferente das outras regiões, o transporte é feito por rios, tem municípios dos quais se levam 8 dias de barco para chegar em Manaus. Imagina a dificuldade para levar frutas em tempo de consumi-las. Temos muita produção perdida por conta da dificuldade de transporte, e o banco nunca liberou crédito porque o nível de inadimplência é muito grande. Mas o governo não ensinou o povo da Amazônia a preservar, e só destruir. Hoje está começando a mudar, mas a dificuldade é muito grande”, disse Silvia Elena, da coordenação do CNS.
A dificuldade de acesso ao mercado é um problema. A copaíba, por exemplo, o agricultor vende a R$ 30 reais o que é vendido nas capitais por R$ 100. Outro exemplo é trabalho muito grande nas Unidades de Conservação para as castanhas chegarem ao consumidor com qualidade. O conflito de terras das populações não legalizadas com os fazendeiros e madeireiros é outro problema estrutural. Grandes plantações de soja também têm prejudicado os territórios.