alexandre aditalApesar de não ser jornalista ou comunicador de nenhuma organização, o coordenador geral da ONG Centro Sabiá, organização que presta assessoria técnica rural na zona da mata e semiárido pernambucano, Alexandre Pires é um entusiasta da comunicação e dos movimentos culturais na agroecologia. Ele também integra o Núcleo Executivo da ANA, e tem contribuído no fortalecimento dessas inciativas dentro do movimento agroecológico no Brasil.

 

Na conversa o biólogo fala sobre a importância do direito à comunicação, sobre os avanços das organizações que compõem a ANA nesse campo nos últimos anos e o travamento do estado nessa pauta. Segundo ele, o último Encontro Nacional de Agroecologia (ENA), realizado no ano passado em Juazeiro (BA), demonstrou que é possível mobilizar a comunicação no movimento agroecológico e projetar uma visibilidade nacional ao tema. O desafio, diz Alexandre, é manter ativa essa articulação nas redes agroecológicas.

Por que essa necessidade de discutir e avançar no tema da agroecologia dentro das organizações do campo agroecológica?

Primeiro precisamos compreender que a comunicação no campo da agroecologia, das organizações e redes no campo da ANA, é uma abordagem extremamente estratégica que permite mostrar à população que existe outro mundo que os grandes meios de comunicação, a mídia de massas, não tem interesse de mostrar: o rural. A diversidade da agricultura familiar, cultura, produção alimentar, formas de viver e trabalhar no campo. Temos a possibilidade de pautar o tema do direito à comunicação, que normalmente está veiculado nos grandes centros urbanos, onde as pessoas têm um vínculo muito mais forte com o debate da comunicação pública, já que muitas vezes as organizações que trabalham no desenvolvimento rural aparentemente não têm vínculo com esse tema ou necessidade de comunicação.

Mas se você resgatar o processo histórico da agroecologia no Brasil verá a comunicação como uma ferramenta estratégica desde o princípio da rede PTA. A comunicação na perspectiva de diálogo entre os técnicos e agricultores, entre os agricultores e numa perspectiva de ferramenta pedagógica com manuais e sistematizações para orientar e organizar o conhecimento dos agricultores (as) para construção da agroecologia. É também nesse período da PTA que se usava a comunicação alternativa através de várias ferramentas como fanzines, boletins copiados, dentre outras formas para mostrar a luta da agricultura alternativa. Depois vem o conceito da agroecologia, e desde o princípio do movimento agroecológico no Brasil, da PTA que dá origem à ANA, a gente faz e se preocupa com a necessidade de uma comunicação pública, democrática e partilhada.

Mas as organizações sempre enfrentaram muitos desafios nesse campo, não?

As condições reais e materiais para se inserir de forma mais eficiente nesses espaços de debate sobre o direito à comunicação são de tempo mais curto na história da ANA e de suas organizações. Um exemplo de comunicação a serviço da agroecologia é o que a ASA (Articulação no Semiárido Brasileiro) vem fazendo com a rede de comunicadores do semiárido, que é uma experiência fantástica porque consegue descentralizar um processo de comunicação articulado. As organizações com seus comunicadores (as) populares conseguem produzir e se inserir nos espaços de debate de comunicação, dar visibilidade às experiências dos agricultores (as) e àquilo que as organizações vêm pautando no ponto de vista político. Ao mesmo tempo fazendo isso no semiárido, através da assessoria de comunicação da ASA.

Olhando para o processo da ANA, a realização do III ENA com a pergunta chave provocadora e estimuladora – Por que interessa à sociedade apoiar a agroecologia? – foi também motivadora para uma reflexão interna na ANA. Sobre como nos comunicamos com a sociedade, para fazer com que a sociedade compreenda o que é a agroecologia, que lutas são essas no campo da ANA, da segurança alimentar, pela terra e o território, pela participação e efetivação dos direitos das mulheres e jovens no campo e na cidade. Ou seja, evidenciar a cultura como um aspecto importante e fundamental da construção da agroecologia.

O III ENA fez com que as organizações, através das caravanas e encontros, dessem start a processos mais amplos de comunicação com a sociedade. De diálogo, ocupando as rádios dos municípios, nas cidades, blogs, tablóides locais, ou até a grande mídia e grandes veículos como a CartaCapital, Brasil de Fato, e outros que não são de massa mas têm uma expressão política importante nacionalmente. Essa visibilidade é grande em relação ao que tínhamos, e foi uma excelente demonstração da nossa capacidade de mobilização dos meios de comunicação e dos comunicadores. No encontro mobilizamos um conjunto de comunicadores de várias regiões do Brasil e mostramos que é possível dar visibilidade às causas da agroecologia e da ANA nacionalmente. O desafio pós ENA é a continuidade desse processo de articulação na ANA para dar mais visibilidade à agroecologia.

Você tem um cenário de crise no governo, foi anunciado um Plano Safra com um pouco mais de recurso para agricultura familiar mas o próprio Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo) tem um tensionamento e não foi executado nem 2/3 do orçamento previsto. Como entra a comunicação como um direito público nesse contexto?

Não teremos um recurso destinado à comunicação, porque não interessa e não é uma atividade fim da ação do Estado. Ele quer executar uma atividade que chega a ponta, ao agricultor e agricultora familiar. Cabe a nós, organizações, movimentos, redes, capitalizar aquilo que temos mesmo com toda essa crise. Existe uma fragilidade da economia do país nesse momento, que também é resultado de uma série de políticas de subsídios que o governo nos últimos 12 anos vem custeando. Os programas de educação, bolsa família e vários outros. O perdão de dívidas que o estado fez durante anos para o grande setor empresarial da agricultura, isso é um elemento importante. Mas mesmo com essa crise há uma sinalização, sobretudo no Plano Safra, de que tem uma disposição do governo, embora que ainda com cortes, de manter recursos para agricultura familiar. Com as chamadas públicas de Ater (Assistência Técnica e Extensão Rural), os programas de cisternas de água para o consumo humano e produção no semiárido. Então cabe a nós capitalizar esse recurso no sentido de potencializá-lo e gerar um processo de comunicação das organizações com a sociedade. Porque não interessa ao governo financiar comunicação, não está na sua essência.

Em relação à inserção nos debates sobre o direito à comunicação, ocorreram várias conferências nos últimos anos, inclusive uma nacional, e nada saiu do papel.

O Encontro Nacional de Comunicação, que aconteceu neste ano, em Belo Horizonte, deu uma demonstração de que aquilo que foi definido na I Conferencia Nacional de Comunicação não foi tirado do papel. Porque o governo não tem hoje disposição de fazer um enfrentamento dentro do Congresso Nacional, que é extremamente conservador, onde os grandes donos das mídias, redes de rádio e TV estão. Não os interessa democratizar o processo de comunicação. É no Congresso que vai passar a lei de democratização dos meios de comunicação, então esse é um dilema que vivemos. Mas as pessoas que participaram deste último encontro disseram que tinha pessoas da Argentina lá que disseram: “fizemos uma legislação de direito à comunicação, e não tínhamos o processo de mobilização da sociedade como vocês têm no Brasil, porque foi uma iniciativa do próprio governo”. Nós temos uma mobilização e um governo que se coloca numa posição de popular, mas não faz esse enfrentamento. Das últimas eleições presidenciais para cá eu costumo dizer que a fala de Dilma após os resultados eleitorais tocou em três questões fundamentais, e uma delas era a democratização dos meios de comunicação. Estamos perdendo nas três, principalmente nessa história da comunicação.

Apesar desse cenário adverso, tem uma crescente conscientização da população em relação à alimentação saudável. A que se atribui isso?

São causas da ANA as sementes crioulas, o combate a transgenia e aos agrotóxicos. Temas que conseguimos um diálogo mais específico com a população urbana, porque tocam diretamente a saúde das pessoas. Os transgênicos ainda é algo aparentemente sem uma massificação de compreensão do que pode causar à saúde das pessoas, mas já tem dados associando a transgenia a problemas de câncer, etc. Então a inserção da ANA, através das suas organizações e redes, no diálogo com a sociedade num processo de comunicação pode ganhar um fôlego muito grande quando pauta essas três dimensões. Também estão associados à biodiversidade, aos conhecimentos tradicionais das populações camponesas, indígenas e quilombolas, etc.

A própria mídia está abrindo brechas com críticas a esses temas.

Há um interesse por trás, que é o agronegócio se apropriar da agricultura orgânica como um nicho de mercado e não é isso o que queremos construir.