Casserengue (PB) – O XV Encontro Regional de Agroecologia Nordeste (ERA) também contou visitas a experiências agroecológicas ou com temas relacionados à agricultura familiar e os povos e comunidades tradicionais. Na tarde de ontem (30/04) cerca de 30 alunos conheceram o Sítio Agroecológico na comunidade Salgado, em Casserengue, na Paraíba. O agricultor Regivaldo Henrique recebeu os estudantes e apresentou suas plantações e sistemas de captação de água da chuva para enfrentar a seca constante na região. As pinturas rupestres dos antigos indígenas da Serra da Caxexa também são características nos arredores.
Há mais de cem anos no terreno, a família Henrique hoje divide as plantações com 7 famílias de forma coletiva. Como não chove muito há mais de cinco anos, a produção não está muito diversificada. Feijão macassa, milho, fava, poucas frutas nativas, como o umbu e o caju, e algumas folhas, além do algodão mocó, fazem parte da dieta familiar ou servem de fonte de renda. Muita palma, macambira, xique xique, dentre outros cactos típicos utilizados como forragem para alimentação animal, assim como a gliricidia, também compõem o cenário. O resto compram na feira, já que não são auto suficientes.
“A gente do MST se preocupa com os agrotóxicos, então procuramos nas feiras as bancas que não têm e vendem as frutas e legumes bons, e o feijão a gente guarda”, diz Maria de Lourdes Laurindo, agricultora vizinha.
De acordo com o professor Alexandre Eduardo, professor de metodologias participativas de extensão rural na UFPB, é importante “trabalhar a ideia da integração”. Um exemplo nesse território é a cerca viva com macambira, que impede a passagem dos animais e o agricultor deixa de gastar com estaca e arames que são caros.
“A alimento vem da proteína saí da galinha e seus ovos, além de outros animais, como ovelhas. No plantio pega os carboidratos com os feijões e as vitaminas nas frutas”, disse destacando que o agricultor é quase independente.
Graças às técnicas desenvolvidas pelos agricultores locais em convivência com o semiárido é possível estocar a água para garantir esses plantios. “Tanques de pedra” feitos em cima dos cerrotes, como são chamados os montes de pedra, onde colocam tocos de madeiras para proteger de animais, como raposa e urubu, que podem defecar na água e contaminá-la. Alguns têm apenas 50cm de profundidade, enquanto outros chegam a armazenar 50 mil litros captando a água da chuva. Hoje são menos utilizados por conta do desenvolvimento de outras tecnologias, mas antigamente era o que salvava o agricultor nos períodos de seca. São feitos apenas com pedra, cimento e areia. Nunca secam e também servem para hidratar aos animais.
“Essa experiência a gente reconhece que é protagonizada pelos camponeses, numa lógica de reflexão de convivência com o semiárido. Estão aqui há mais de um século fazendo experiências, envolvendo Embrapa, associações, AS-PTA, e têm experimentado essas tecnologias”, diz o professor Alexandre Eduardo.
O “barramento com pedras” para travar a água que desce nas chuvas pela estrada e retém a matéria orgânica é outra técnica. “A água vindo mais devagarzinha causa menos erosão, e mesmo com areia a água sai. Está plantando água e mantendo matéria orgânica”, disse Maria de Lourdes.
Já a barragem subterrânea veio em 2011 com apoio da Embrapa, cavando até a rocha mãe fazendo o acabamento na terra solta e tirando as raízes. O objetivo é colocar uma lona para segurar a água, e a pedra em cima para reter a matéria orgânica e reduzir o fluxo. O Padre Ibiapina foi o pioneiro na sistematização dessa técnica, disseram.
“A ideia que fica é a coleta de água aonde der, você passa a olhar o território pensando no lugar para pegar água”, observou Irene Cardoso, presidente da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA). A professora da Universidade Federal de Viçosa (UFV) disse que aprendeu muito com o agricultor, principalmente porque não conhecia a caatinga de perto, e transmitiu seus ensinamentos sobre solo e modos de plantio agroecológicos durante a visita.
Um técnico da universidade local, que acompanhou a visita, sugeriu ao agricultor manejar abelhas para polinização do terreno. A umburana, nesse sentido, é propícia no terreno, observou. Apesar das abelhas nativas serem de difícil domesticação, melhoraria na diversificação da plantação.
Em 2010 estudantes universitários foram fazer estágio de vivência no sítio, e a partir disso começou o projeto de educação do campo com 20 crianças. Formaram um grupo para fazer horta, incentivar o protagonismo dos agricultores, com trabalhos lúdicos também como teatro e apresentação de vídeos infantis. O objetivo é estimular desde cedo o protagonismo camponês.
“Essas visitas são importantes porque a gente troca conhecimento. Hoje fiquei sabendo, por exemplo, que quem começou com essas barragens foi o padre que tem um memorial aqui pertinho”, disse Regivaldo Henrique, agricultor da propriedade.