rsz peixe santaremO Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém é referência por sua história de luta em toda a região amazônica. Combativo, sempre buscou alternativas para a melhoria da vida dos povos da floresta: extrativistas, agricultores familiares, pescadores artesanais, etc. O atual presidente da entidade, Manoel Edivaldo Matos, mais conhecido como Peixe, fala sobre os avanços e desafios no estado do Pará. Ele representa o Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS) na região.

  

 

Peixe conta como suas metodologias estão influenciando nas políticas públicas da região, e possivelmente em âmbito nacional. Aponta ainda a importância de políticas como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que garantem a compra dos produtos da agricultura familiar local. A questão fundiária, por outro lado, permanece sendo o grande problema na Amazônia.

Vocês estão desenvolvendo um projeto piloto em Santarém que pode se tornar uma política pública a nível nacional. Do que se trata?

O sindicato elaborou um planejamento estratégico para quatro anos, e dentro dele temos a área de melhoramento da produção, organização dos agricultores e a parte ambiental. Claro que a questão fundiária nunca deixou de ser discutida nem nunca será, mas quando falamos nesses temas e nos organizamos mais desafios apareceram. A questão ambiental veio quando foi aprovado o Novo Código Florestal e todos os agricultores foram obrigados a ter seu Cadastro Ambiental Rural, inclusive para comercializar e acessar políticas, com prazo até 2017. Fizemos um projeto em Santarém apoiado pela Fundação Ford, e teve um impacto positivo por causa da metodologia participativa. Os agricultores entenderam o básico: para quê serve a legislação do cadastro e o que isso traz de ônus e bônus ao agricultor. A partir daí foi trabalhado junto às comunidades, e já fizemos essa multiplicação no Encontro Amazônico do CNS propondo para ser na Amazônia. Isso fez com que o governo do Pará pudesse ver com bons olhos nossa metodologia. A partir daí foi junto ao Programa Municípios Verdes no Estado, que atualmente recebe recurso do fundo Amazônia para trabalhar o CAR a agricultura familiar. O governo apresentava que 80% do território já estavam com seu cadastro pronto, mas verificamos não os agricultores familiares e sim os grandes. Conseguimos mais um apoio da Fundação Ford para ampliar essa experiência, eagora fomos convidados pelo Governo Federal e o Incra a uma reunião em Brasília, onde apresentaremos essa experiência.

Alcançamos nosso objetivo: mostrar aos governos que é possível fazer um cadastro ambiental rural diferente, não do ponto de vista da legislação, mas da participação. Com isso, a segurança alimentar e ambiental está dentro desse processo. São vários parceiros, ficamos à frente por um período da coordenação regional do CNS na região e trabalhamos principalmente na luta pelo plano de manejo da Reserva Extrativista Tapajós Arapiuns, que é uma das unidades de Santarém. Outra é a Floresta Nacional do Tapajós no município de Belterra que, inclusive, tem um projeto muito bom dos próprios moradores com o manejo florestal comunitário madeireiro e não madeireiro. Depois que recebemos o plano de manejo aprovado da Reserva Extrativista Tapajós/Arapiuns tivemos mais segurança nesse trabalho, então uma coisa está vinculada a outra.

Quais são os produtos extrativistas característicos da região?

Hoje é o manejo florestal madeireiro extraído pelos próprios moradores na Flona/Tapajós, e agora na Resex é um foco. Mas a Resex foi uma das maiores exportadoras de borracha da região,via a Cooperativa (ACOSPER), e hoje está parada. Estamos trabalhando para revitalizá-la, porque sua gestão administrativa à época deixou a desejar e fez com que a parte financeira fosse se acabando e desmotivando os próprios cooperados. Estamos trabalhando outra forma, com renovação do quadro e capacitação.

E os seringais foram devastados predatoriamente nesse processo?

Os seringais ainda existem, assim como os extrativistas. Outros focam mais no artesanato de palha e o turismo de base comunitária, que através do extrativismo utiliza recursos naturais de forma sustentável para sobrevivência dos moradores. Os extrativistas são agricultores e pescadores. Existe na região de Santarém um pouco de castanha e açaí, além da extração do mel de abelha. São várias realidades diferentes, tem a região de várzea que fica inundada seis meses e quando seca é muito boa para plantação de frutas e o gado. A outra região é a terra firme, nela se planta mais maniva para produção da mandioca e de farinha e seus derivados. E a criação de pequenos animais que está evoluindo muito, principalmente da galinha caipira. Algumas comunidades já recebem turismo para culinária: galinha, tanque de peixe, trilhas, mel de abelha, hortaliças, artesanato, etc. Mas temos dificuldades, principalmente na criação de peixe, em função do custo da alimentação inicial.

Mas os frutos amazônicos não alimentam os peixes?

Sim, mas só a partir do sexto mês usamos produtos naturais e a ração é muito cara. Temos tambaqui, matrinxã, tabatinga, curimatã e pirarucu, por exemplo. É uma diversidade grande de produtos, mas em função do agronegócio e a chegada da soja muitas dessas áreas que produziam alimentos da agricultura familiar foram ocupadas. E agora tem também os complexos hidrelétricos na região do Tapajós, que são uma preocupação muito grande inclusive ao turismo. Muitas comunidades, segundo estudiosos, terão sua água clara e transparente do Tapajós sujas por um refluxo do rio Amazonas, que é uma água barrenta e vai ocupar essas áreas de praia. E para cima da barragem, que pega muitos povos indígenas, principalmente os Munduruku, serão afetados diretamente. Haverá uma inundação muito grande, o caso de Belo Monte é uma realidade, os impactos serão muito grandes.

Quais são as principais reivindicações dos extrativistas nesses territórios hoje?

Ocorreram dois eventos na região com a presença de vários ministros e uma das políticas puxadas pelo CNS seria o Programa Nacional de Habitação Rural, que não avançou praticamente nada em função de muita burocracia. O CNS tentou desenvolver o Programa da Saúde dos Povos do Campo, das Florestas e das Águas, numa parceria com a Contag, apresentando esses impactos e discutindo principalmente as doenças em função dos agrotóxicos da soja na região. Em maio haverá o II Encontro da Região Norte, em Santarém.

Tivemos algumas conquistas, mas estamos trabalhando para potencializar o extrativismo através dessa cooperativa que foi criada no início do CNS para absorver o extrativismo da borracha. Esse é o nosso grande desafio para produção do látex, e no momento não temos a intenção de beneficiar até porque é um custo muito alto, principalmente com energia elétrica. Apesar de o Pará exportá-la é a energia mais cara do país, isso tem quebrado muitas organizações, inclusive as que fazem o beneficiamento da produção. Já estamos trabalhando na emissão das certidões PRONAF aos extrativistas e pegar a DAP (Declaração de Aptidão ao Pronaf) jurídica para começar a comercializar. Não só a borracha, mas vários produtos que fazem parte da agricultura familiar.

A ideia é entrar nos mercados institucionais como o PAA e o PNAE?

Entregamos para esses dois programas, conseguimos aglutinar quatro cooperativas.  Estamos trabalhando para que nessa chamada nossa cooperativa já se insira no processo. Estamos com apoio do Serviço Florestal Brasileiro, que contratou duas organizações para dar assessoria. Então até o ano que vem já estaremos comercializando normalmente.

Esse tipo de política e iniciativa gera uma mobilização interna. Como está a expectativa dos agricultores locais em relação a essa possibilidade de venda dos seus produtos?

Eles começam a produzir mais. Foi um processo de melhoramento da produção, então houve capacitação de mais de 2 mil agricultores em várias áreas. Estamos fortalecendo essa organização social através das cooperativas, o sindicato tem um projeto alternativo de desenvolvimento rural sustentável solidário inspirado na Contag. Inauguramos em dezembro uma feira já dentro dos padrões da Anvisa para poder receber essa produção de alimentos e distribuí-los. Também coordenamos um projeto junto à Universidade Federal do Oeste do Pará de hortifruticultura orgânica. Não é fácil para quem está acostumado com o convencional passar ao orgânico, mas estamos aumentando nosso grupo no município. A tendência é melhorar, até porque a procura por alimentos é muito grande e os próprios programas estimulam isso quando colocam um preço mais alto que o do mercado. No PAA estamos vendendo o quilo de farinha de mandioca a R$ 5,05, enquanto que no mercado tradicional está R$ 2,00.  Isso estimula o agricultor a se organizar.

Nosso maior gargalo hoje é a parte fundiária, que é muito complicada. A disputa de terras lá é muito grande com os fazendeiros, madeireiros, etc. Mas estamos dando um jeito de trabalhar coletivamente na base do diálogo para evitar o conflito. Esperamos por parte dos governos, claro que estamos nos organizando para cobrar mais, para que essa parte fundiária seja resolvida. Resolvendo isso outras coisas ficam mais fáceis. 

(*) Foto: Reprodução Internet.