Por Michèlle Cannes, da Agência Brasil,
Representantes dos povos indígenas, tradicionais e camponeses reuniram-se com o secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Francisco Gaetani, e entregaram uma carta onde demonstram o repúdio ao projeto de lei (PL) 7.735/14, do Poder Executivo, que trata da Convenção sobre Diversidade Biológica, já foi aprovado na Câmara e agora está no Senado Federal.
A carta trata de pontos relacionados ao acesso ao patrimônio genético e conhecimentos tradicionais e também à repartição de benefícios com a comunidade detentora desse conhecimento. No documento, as 80 entidades signatárias alegam que foram excluídas do processo de elaboração do PL. Para elas, o texto enviado ao Congresso viola os direitos fundamentais e traz retrocessos às comunidades, já que essas pessoas não receberiam benefícios ao compartilhar com a indústria e com pesquisadores os conhecimentos tradicionais que adquiriram ao longo do tempo.
“Não somos contra ter uma lei para dar segurança jurídica, o que não pode é favorecer a pesquisa e a indústria, mas quem é detentor e provedor do conhecimento ficar prejudicado”, disse o representante do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), Joaquim Belo.
A representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Puyr Tembé, também esteve presente na reunião. Para ela, os prejuízos podem ir além da questão financeira. “Estamos falando de valores de conhecimentos tradicionais milenares que o governo está querendo acabar”.
Eles alegam também que o texto do projeto favorece os setores como o farmacêutico, o cosmético e do agronegócio. Representante do Movimento dos Pequenos Agricultores e da Via Campesina, Marciano da Silva, acredita que o projeto é uma regulação da biopirataria, já que facilita o acesso ao patrimônio genético e aos conhecimentos tradicionais.
“Quando se transforma uma necessidade de regular o acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional, transforma-se esse processo de regulação na legalização da biopirataria, abrindo espaço não só para o desenvolvimento da indústria nacional, mas a toda e qualquer indústria a acessar livremente, sem qualquer forma de fiscalização, concreta sobre isso”, diz Silva.
Para Marciano Silva, é preciso haver mais debate sobre o tema e isso deveria ser feito antes da votação e não durante o processo de regulamentação do texto. Ele conta que, durante a reunião, os movimentos propuseram ao MMA uma articulação conjunta para dialogar com senadores de diferentes partidos.
Após a entrevista dos representantes, o secretário-executivo do MMA recebeu os jornalistas. Gaetani disse que a população foi ouvida durante o processo de elaboração do documento enviado ao Congresso, mas que, talvez, a quantidade de encontros pode não ter atendido às expectativas dos movimentos. Ele ressaltou também que o projeto está no Senado e existe a possibilidade de conversa com os parlamentares.
O secretário disse também que, ao contrário do que as entidades acreditam, o PL representa atualmente um avanço com relação à legislação atual. “Ele cria condições de incentivar a exploração de biodiversidade em bases sustentáveis, cria condições para as populações, para a agricultura familiar, os povos indígenas e detentores de conhecimentos tradicionais terem acesso aos benefícios derivados por ações sustentáveis dessa riqueza do país” e completa:
“Achamos que é mais importante ter um projeto que funcione do que uma legislação que criminaliza. Hoje, não temos nem condição de explorar a biodiversidade, muito menos de repartir benefícios”.
A proposta prevê uma revisão da legislação sobre pesquisa científica e exploração do patrimônio genético de plantas e animais nativos e dos conhecimentos indígenas ou tradicionais sobre propriedades e usos de plantas, extratos e outras substâncias. O objetivo é a simplificação do trabalho de pesquisadores, de instituições brasileiras e de empresas com sede no exterior vinculadas a entidades nacionais.
Leia a Carta dos Povos e Comunidades Tradicionais e Agricultura Familiar entregue ao Governo Federal.