Tramita na Câmara, em regime de urgência a pedido do Executivo, projeto de lei 7.735, que trata do acesso ao patrimônio genético, ao conhecimento tradicional e da repartição de benefícios para a conservação e o uso sustentável da biodiversidade.

O PL resulta da junção de dois outros projetos e de mais de uma centena de emendas, sendo um que versava sobre biodiversidade e outro sobre agrobiodiversidade.

 

Os temas abordados pelo PL são amplos, mas no que diz respeito especificamente às sementes e variedades crioulas, o projeto é uma grande ameaça aos programas e políticas em curso que visam fomentar a conservação, o intercâmbio e o uso desses materiais.

 

A proposta cria a categoria de agricultor tradicional [1] e circunscreve a esse setor os programas de incentivo da agrobiodiversidade, excluindo destes todo o universo da agricultura familiar conforme definido em lei. Assim, deixa de reconhecer a contribuição histórica dos agricultores familiares no desenvolvimento e conservação desses materiais, no conhecimento associado e de seu papel na segurança alimentar e nutricional.

Cria um novo e extensivo conceito para sementes crioulas, também reduzindo a diversidade de materiais que caberiam na definição. Dispensa ainda o consentimento prévio de povos indígenas, povos ou comunidades tradicionais ou dos agricultores no caso de acesso a variedades tradicionais ou crioulas para finalidade de alimentação ou agricultura.

São mudanças que restringem o que se entende por semente crioula e o público que pode se beneficiar do cultivo desses materiais. Assim, retrocede-se ao entendimento de que sementes crioulas representam “baixa tecnologia” e são adaptadas apenas aos agricultores “tradicionais”, de subsistência, enquanto os agricultores familiares seriam aqueles destinados a acessar tecnologias “modernizantes” e variedades de “alta produtividade”.

Trata-se de enorme ofensiva a conquistas importantes obtidas desde 2003 quando a lei de sementes incorporou definição de sementes e variedades crioulas. Mais recentemente, o decreto que criou a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica ampliou o uso e circulação desses materiais no território nacional. No contexto dessa política o governo tem investido em uma série de iniciativas voltadas para a promoção desses materiais, tais como o Programa Ecoforte, a recém criada modalidade Sementes do PAA, editais de pesquisa e extensão via CNPq, chamada pública do MDS, apoio a bancos comunitários de sementes, entre outros.

Essas e outras ações estão todas legalmente amparadas na lei 10.711/2003 e na forma como esta define sementes crioulas:

“cultivar local, tradicional ou crioula: variedade desenvolvida, adaptada ou produzida por agricultores familiares, assentados da reforma agrária ou indígenas, com características fenotípicas bem determinadas e reconhecidas pelas respectivas comunidades e que, a critério do Mapa, considerados também os descritores socioculturais e ambientais, não se caracterizem como substancialmente semelhantes às cultivares comerciais”.

O PL em questão, ao que se sabe a partir de proposta do MDA, define sementes e variedades crioulas da seguinte forma:

“Variedade tradicional local ou crioula – variedade proveniente de espécie nativa ou exótica, composta por grupo de plantas dentro de um táxon no nível mais baixo conhecido, com diversidade genética desenvolvida ou adaptada por povo indígena, povo ou comunidade tradicional ou agricultor tradicional, incluindo seleção natural ou seleção combinada com seleção humana no ambiente local, que não seja produto de melhoramento conduzido pelo sistema formal ou científico”.

Cumpre destacar que todos os atuais programas de promoção das sementes crioulas operam sem problemas com base na legislação em vigor desde 2003. São desconhecidas as motivações para se criar outra definição legal para o tema, que ademais podem impactar negativamente, senão inviabilizar, os programas e políticas em curso.

O Tratado sobre recursos fitogenéticos da FAO (Tirfaa), do qual o Brasil é parte, trata de direito do agricultor de forma geral, sem especificar qual tipo de agricultor. Assim, entende que qualquer agricultor pode contribuir para a conservação da agrobiodiversidade e da mesma forma pode se beneficiar de programas públicos de promoção ou fomento da agrobiodiversidade. O PL em questão restringe esse entendimento, seja pelo entendimento que dá a semente crioula, seja pela definição de agricultor beneficiário.

O projeto esteve a ponto de ser votado nesta última terça e deve voltar à pauta da Câmara no início da próxima semana.

Assim, de forma a evitar grandes retrocessos nas recentes conquistas no campo da ação pública voltada para a promoção da agrobiodiversidade, é urgente que:

1. O Poder Executivo retire o pedido de tramitação do PL em regime de urgência
2. Adote-se no PL o conceito de variedade ou cultivar tradicional já consolidada pela lei 10.711/2013
3. Adote-se no PL o conceito de agricultor familiar conforme definido pela lei da agricultura familiar 11.326/2006.
4. Abra-se debate púbico sobre o PL, com ampla consulta aos setores envolvidos.
5. Tanto a CIAPO quanto sua mesa diretiva se posicionem sobre o tema considerando o exposto acima.


[1] “agricultor tradicional: pessoa natural que utiliza variedades tradicionais, locais ou crioulas ou raças localmente adaptadas ou crioulas e mantém e conserva a diversidade genética”.

Assinam esta nota:

Agapan

Articulação Pacari

ASA Brasil

ASA Paraíba

AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia

Articulação Nacional de Agroecologia – ANA

Associação Brasileira de Agricultura Biodinâmica

Associação de Agricultura Biodinâmica do Sul

Bionatur

Centro de Agricultura Alternativa – CAA-NM

Centro Ecológico

CONTAG

CTA- ZM

Ecoborborema

Fase

Fetraf

Fundação MokitiOkada

Instituto Frei Beda de Desenvolvimento Social

Movimento de Mulheres Camponesas

Movimento dos Pequenos Agricultores

Rede de Agrobiodiversidade do Semiárido Mineiro

Rede de Comunidades Tradicionais Pantaneira

Rede de Sementes Livres Brasil

Rede Ecovida de Agroecologia

Sasop

Terra de Direitos