Mais de mil agricultores com faixas, bandeiras e um carro de som seguiram em marcha pelas ruas do centro de Curitiba (PR) em protesto contra as perseguições sofridas pelos agricultores no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) no estado. A caminhada ocorreu após o seminário “Pela Agricultura Familiar, Reforma Agrária, Soberania Alimentar, Agroecologia e Unidade Campo-Cidade”, no qual foi construído coletivamente um documento assinado por dezenas de entidades com as reivindicações do movimento e entregue às autoridades.
“Somos agricultores familiares do Paraná, que colocamos comida na mesa de vocês todos os dias. Estamos sendo expulsos do campo e impedidos de trabalhar, queremos produzir uma comida diversificada, pela reforma agrária, sem agrotóxico, com agroecologia. Queremos continuar produzindo alimentos saudáveis e uma vida digna”, disseram no alto falante.
De acordo com o pastor Werner Fuchs, da comissão organizadora da marcha e ex-integrante da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em Curitiba, esse ato político surgiu diante de uma realidade bastante chocante de visões de agricultores como se fossem contrabandistas. Segundo ele, a Polícia Federal usou um efetivo de 150 pessoas para prendê-los sem nenhuma prova concreta.
“Eles se surpreenderam porque não tinha carro de luxo, nenhuma sacola de dinheiro nem nada. Foram achando que estariam prendendo delinquentes que teriam feito desvios de verbas públicas. Mas na verdade esses líderes que foram presos ou processados, em torno de quarenta, eram executores do PAA e ajudavam a equacionar uma das pontas. Porque o programa funciona com o agricultor que tem de se organizar para entregar o produto, e as entidades que recebem e distribuem entre elas”, disse.
Cerca de sessenta entidades retiram toda semana o produto que o agricultor traz no Paraná e entregam para creches, asilos, escolas, hospitais, dentre outros estabelecimentos. A incerteza da venda e recebimento dos produtos fez com que os beneficiários nas cidades se unissem aos agricultores no protesto. No que diz respeito ao processo policial, destacou o pastor, o problema foi que os presos foram mantidos incomunicáveis durante cinco dias e depois foi negado o habeas corpus sem nenhum motivo. Eram onze e cinco continuam presos, e um operador da Conab está sob o risco de detenção porque foi solto por questão de saúde. “Essas entidades estão descobrindo a importância da ligação da cidade e o campo, que o agricultor não pode levar a luta dele sozinho. E o cara da cidade também não vai fazer alimentação saudável, justa, sem agrotóxico, sozinho. Esse ato foi um grande passo”, concluiu.
Segundo Darci Frigo, coordenador da ONG Terra de Direitos, esse processo que se abateu sobre os agricultores teve sérias consequências e a melhor resposta à criminalização é a mobilização social. É um processo político de criminalização das políticas públicas e das atividades dos agricultores, criticou.
“Ninguém imaginava que faríamos uma resposta desse tamanho aos problemas das burocracias que peneiram os mosquitos e deixam passar as grandes licitações de grandes obras. É a criminalização dos pobres, que estão lutando para sair dessa situação. Alguns estão presos, tem oito ações penais. Tem mais dez pessoas da Conab acusadas, e em torno de quarenta agricultores: estelionato, falsificação de documentos e trocas de notas. Se eles não forem libertados por esses habeas corpus temos que fazer uma campanha, porque eles são presos políticos e estão pagando um preço por algo que não cometeram e é injusto”, destacou o advogado.
Os agricultores e organizações buscam discutir o futuro da agricultura e reivindicam a não criminalização dos movimentos sociais e o desenvolvimento sustentável. Produzir um alimento saudável através da agroecologia é uma das suas principais bandeiras. “São milhares de famílias sem terra abandonadas sem condições de produzir alimentos, sem falar nas substâncias que contaminam a natureza e a vida humana. Seguimos marginalizados das políticas estruturantes da sociedade e trabalhando com muitas dificuldades. Precisamos da manutenção dos recursos naturais para que a cidade tenha mais vida. O ato foi um grande pacto entre as organizações do campo e da cidade para fazer as grandes mudanças que a sociedade precisa. O agronegócio domina o orçamento da agricultura para comprar máquinas, concentrar terras e produzir para exportação”, destacaram durante a marcha.
Eles exigem uma política de estado para desenvolver a agroecologia em equilíbrio com a natureza. Uma merenda escolar saudável na rede pública de educação também foi apontada. A construção de barragens na região, afetando diversas comunidades e o meio ambiente, também foi colocada em xeque. Criticaram a mídia pela falta de visibilidade às mobilizações dos movimentos
O deputado federal Assis do Couto (PT-PR) recebeu o documento dos agricultores e se comprometeu a entregar às autoridades. Segundo ele, pessoas do alto escalão do governo disseram que nenhum crime foi encontrado nesse caso e os camponeses podem voltar para suas casas de consciência tranquila.
“Tenho acompanhado essa tortura com aqueles que produzem e que recebem esses alimentos. Estão aqui porque querem continuar a produzir alimentos saudáveis e vida, nós não estamos no campo para o negócio. Temos o compromisso com a educação desse país levando comida para as escolas. Amanhã (22) haverá uma reunião em Brasília para estabelecer por decreto novas medidas para esse programa fantástico de dimensão nacional”, disse.