Uma das características da região litoral norte do Rio Grande do Sul e sul de Santa Catarina é a produção da agricultura familiar local de base ecológica. Programas de compra institucional do governo federal, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), além dos canais locais e regionais de abastecimento e comercialização são destaque dos canais de abastecimento dessas experiências. Algumas foram visitadas durante a Caravana Agroecológica e Cultural da Região Sul, mais uma etapa preparatória rumo ao III Encontro Nacional de Agroecologia (ENA), previsto para maio de 2014 em Juazeiro (BA). Participaram técnicos, pesquisadores e agricultores de Manaus, Rio, São Paulo, Minas, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Norte, além de integrantes da região sul.
A primeira visita ocorreu na manhã de ontem (18) na comunidade Prainha, no município de Maquiné, a aproximadamente 110 km de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul . A cidade é conhecida como a capital gaúcha do verde, é a maior área remanescente de Mata Atlântica no estado. O família de Sandra e Deroci de Oliveira mora desde que nasceu no terreno, é a terceira geração de sua família na comunidade. Sua principal produção é a banana, mas também cultiva o açaí de juçara e outros frutos. Segundo ele, foi preciso voltar ao passado para viver um futuro melhor.
“Minha opção pela agroecologia é porque acredito em mais vida. Não precisamos mais andar com bomba de veneno nas costas, estamos resgatando a semente crioula, etc. Meu pai trabalhava com enxada, plantava feijão guandu, e depois abóbora [consórcio], e eu vi que a fazíamos isso há pouco tempo atrás até chegarem com os dessecantes para matar lagarta e tudo mais. Estamos dando uma chance para dar certo ao que dava antes”, disse o agricultor.
Ele mora com sua família e conta que voltou a trabalhar com agroecologia há alguns anos, e graças à parceria com a Ação Nascente Maquiné (Anama) aumentou sua produção e se aproximou do grupo Sabores da Terra com a ideia de fornecer para merenda escolar e PAA na região. Diz que se tivesse uma produção maior teria condições de vender mais. Hoje utiliza biofertilizante e pó de rocha na sua agrofloresta, e cobre os cachos das bananas com sacos plásticos para proteger os frutos: quando inchados indicam o momento da colheita, método para manter um padrão estético exigido pelo mercado, conta. No verão a colheita rende mais, aproximadamente em março, complementa.
Segundo Jorge Ferreira, agricultor de Paraty e da Articulação de Agroecologia do Rio de Janeiro (AARJ), há falta de criatividade dos agricultores por medo de não gerar renda no curto prazo. “Meu pai também falava de resgatar o que dava certo antigamente, fazer esses consórcios. Temos vinte agricultores, fazemos trocas de experiências e depois botamos a mão na massa. Estamos lutando pela merenda escolar, nos organizando para melhorar nossa produção”, disse.
Sabores da Terra
A organização produz principalmente o açaí da juçara, pastas, bolos e pães, além de hortaliças. Nasceu em 2010 e passou por várias mudanças, chegou a ter seis famílias e cogitar o fechamento da associação. Começou atendendo 500 alunos em oito escolas, em Maquiné, e três anos depois já atendia 30 mil escolares no litoral norte. Segundo seus integrantes ainda é pouco, porque têm produção para atender um mercado maior da alimentação escolar e PAA com as atuais onze famílias.
“Tem um pessoal entrando, recebendo assessoria da ANAMA, com bastante açaí e descobriram uma agroindústria abandonada que estão tentando legalizar. Enfrentamos dificuldades para fazer uma cooperativa, problemas com as prefeituras, eles não compram os 30% da chamada pública do PNAE por ser um grupo informal. Além da relação difícil, tem outras questões de funcionamento administrativo. Estamos inserindo novos alimentos, entregando polpa de juçara para escolas estaduais. Fizemos parceria com a Econativa Cooperativa dos Produtores Ecologistas do litoral norte do Rio Grande do Sul e sul de Santa Cartarina) para um projeto de PAA e temos a meta de atingir novas chamadas públicas”, disse uma coordenadora do projeto.
A cooperativa continua sendo um sonho do movimento, até agora tudo é vendido in natura por falta de uma agroindústria. No do dia 29 de novembro será inaugurada uma feira ecológica em Imbé, município próximo que foi indicado por um plano de negócios e tem uma prefeitura receptiva, e a ideia é trabalhar com produtores orgânicos em parceria com os pescadores, artesãos e outros setores. O diferencial da iniciativa será não ter mais atravessadores entre o agricultor e o consumidor. No município Torres a feira orgânica está completando 10 anos, única orgânica no litoral norte, que adotou como estratégia a realização de atividades culturais para atrair o público.
“Realizamos ações de educação alimentar, ambiental e segurança nutricional para potencializar o grupo Sabores da Terra. Cursos de três módulos com nutricionistas, e depois disso conseguimos três chamadas públicas. Trabalhamos com as merendeiras, desenvolvemos sete receitas com elas nesses produtos da agricultura familiar. Nas escolas estava sobrando alimentos que elas não sabiam o que fazer, porque o hábito era outro. Não tinha frutas e verduras nas merendas, só a cultura do suco de pozinho e alimentos industrializados. O trabalho ajuda a promover o consumo dos alimentos agroecológicos”, disse uma integrante da ANAMA.
Representante do Fórum de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, Vanessa Schottz ressaltou a importância de investir na formação dos profissionais que lidam com a comida pois eles são muito desvalorizados. “O próprio ministro dizia que comida tem que estar fora da escola, porque ela já está cheia de trabalho. Investir na merendeira é muito importante, ela está na base dessa cadeia. Aprender a fazer o novo é muito importante, chamada pública é uma coisa muito nova inclusive para quem está na administração pública daí a necessidade de fazer mais formação com essas pessoas. Esse instrumento tem várias boas ações de uso na agricultura familiar. O processo educativo com quem está do outro lado da política pública e vem de uma prática bem quadrada e bem desvalorizada é muito importante”, concluiu.