A interlocução promovida pela Escola Estadual Dom José Barréa entre diretores, professores, pais de alunos e moradores na comunidade Santo Anjo da Guarda, no município de Três Cachoeiras (RS), rendeu frutos para a região. Referência no que diz respeito à educação ambiental, começaram há mais de 20 anos a discutir o destino do lixo na cidade. Com isso já afastaram a instalação de um lixão da cidade na comunidade e optaram por não aceitar projetos de multinacionais no colégio, mostrando a força que uma escola pode ter numa comunidade. Hoje os moradores gerenciam inclusive a água da comunidade e trabalham com seriedade a alimentação saudável oferecida para alunos e alunas.
Tem cento e duas crianças na escola, graças a um esforço da equipe hoje os alunos bebem pelo menos uma vez por semana açaí de juçara com leite e banana. A banana e a juçara são produtos típicos da agricultura familiar local. É um processo pedagógico que visa não só uma alimentação mais saudável dos escolares, como também a geração de renda aos camponeses da região.
“Hoje eles sentem falta, foi um processo de experimentação, assim como a banana que no início eles não queriam comer. Já comprávamos algumas coisas orgânicas, mas a lei federal do PNAE melhorou muito porque nossa demanda é pequena. É difícil chegar ao agricultor com uma licitação com pouca coisa, então nossa merenda escolarizada vai por meio da cooperativa Econativa, juntando várias escolas que compõe a lógica da região. Recebemos 0,30 centavos por aluno/dia para alimentação, então é complicado”, disse uma das professoras.
Desde 2005 foi criada uma Teia de Educação Ambiental que surgiu de um projeto da ONG Centro Ecológico voltado para os agricultores. As escolas começaram a pedir ajuda técnica, e uma das metas era qualificar 40 professores da região na mata atlântica. Deu certo e levou a questão ambiental para a escola de forma organizada e sistemática. Hoje existem cerca de 30 escolas com aproximadamente quatro professores por escola e merendeiras envolvidos.
“A Teia é muito importante e trouxe modificações em relação à alimentação escolar. Aprendemos sobre as frutas nativas, tornamos hábito para a gente e depois mudamos os hábitos alimentares das crianças. Ao invés de tomar achocolatado, os alunos estão comendo frutos da nossa agrobiodiversidade, gerando renda para os agricultores e promovendo a educação ambiental. Assim mudamos nosso estilo de vida e acabamos nos envolvendo, quase todos os professores são sócios da cooperativa de consumidores e participam de outras atividades com os agricultores”, disse Maura, professora do colégio.
A força de um agricultor
Renato Leal é agricultor e mora na comunidade, pai de um ex-aluno da escola, e está agitando a região. Após perder seu cultivo convencional de 20 hectares fez a transição para agroecologia, e hoje se tornou um multiplicador da ideia na cidade. É o idealizador da Coopergesa, que trabalha hoje com cerca de setenta famílias, e produz cerca de 40.000kg de bananas orgânicas por semana. Tem parceria com diversas organizações, e hoje desenvolve a marca Itapeva para vender produtos derivados da banana de forma industrializada: balas, bananadas, doces, etc.
“A região produz de tudo e também banana, mas estamos tornando ela um produto diferenciado. Temos um trabalho social e ambiental também, mas dificuldades de fazer projetos. Ano passado sobrou 200 kg de banana que doamos. Eu não gosto de governo, embora ajude o produtor a se estruturar, mas temos que fazer força e ver outras formas de vender se não ficamos que nem bezerro mamando na vaca. Tem muita gente inteligente que pode fazer projetos muito bons e não fazem, na serra fazem projetos de suco com 200 carretas. Nossa ideia é vender balas e docinhos para fora do estado. Vendemos 30 mil kg por semana ao supermercado do estado, a gente doa muito pelos grupos de alimentos, e tem um pouquinho para o PNAE. São 13 mil hectares, a nossa é a melhor do estado, a ideia é valorizar mais”, explicou o agricultor
As organizações locais estão articulando junto a ele um projeto para formar novos agricultores. Renato doa as bananas que paga dos agricultores em transição que ainda não têm certificação – a cooperativa subsidia para garantir essa transição. É uma liderança, um produtor que pode trabalhar como intermediário, mas com sensibilidade em relação aos trabalhadores do campo e ao meio ambiente. Estima que o grupo movimenta a compra de bananas de aproximadamente 80 agricultores, e seu filho estudante de Direito, está fazendo os projetos futuros para a cooperativa.
“A gente começa vendendo banana, mas a ideia é doar outras coisas também. Talvez em dez anos não haverá mais agricultor convencional na região. Trabalho com cesta também, é fácil e precisamos avançar nisso. A ideia é que todos os agricultores sejam iguais de forma ecológica”, disse.
De acordo com o Laércio Meirelles, coordenador do Centro Ecológico, não se sabe mais quantas famílias estão envolvidas na produção ecológica – o trabalho tomou uma proporção grande já que existe uma demanda por parte do mercado.
“Começa a ter um movimento de venda para vários locais e as coisas começam a aparecer e rodar. Quando vemos está um processo bem bacana. O Renato atua como intermediário, começou colocando 1 tonelada no mercado Zaffari. Eles adoram fornecedor direto agora, é um marketing, não querem mais o Ceasa. E o Renato é um excelente comerciante, tem preço bom, produto entregue, não deixa o agricultor na mão, está montando esse modelo. A margem de lucro geralmente é de 100%”, afirma Laércio Meirelles, do Centro Ecológico.
Segundo o agrônomo, na agroecologia há uma tendência de esperar que o estado cumpra esse papel, só que na região sul o mercado também tem sido muito importante para os agricultores. Tem atores fortes com sensibilidade ambiental e o tema deve ser pelo menos discutido nos movimentos agroecológicos, complementa. “Não podemos imaginar que só o estado vai puxar o mercado”, concluiu Meirelles.