mesa ifrnO Grupo de Agroecologia do Vale do Assú (GAVA) promoveu um debate na tarde de ontem (24) na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), durante a Caravana Agroecológica e Cultural da Chapada do Apodi.  Os impactos da agricultura modernizante no Vale do Assú foi o tema abordado pela professora de história da instituição, Jovelina Santos, e o secretário executivo da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA). Ambos destacaram a importância da resistência dos movimentos e agricultores, e o papel da visibilidade às denúncias e alternativas apresentadas pelas organizações do campo agroecológico.

Desde a década de 1970, durante o regime militar no país, essa região que pega parte do Rio Grande do Norte e Ceará sofre com os projetos do governo. Atualmente o Projeto de Irrigação do Vale do Açu, com a construção da barragem Armando Ribeiro Gonçalves para o perímetro irrigado, atinge cerca de 20 mil famílias foram atingidas em seus territórios. Segundo Jovelina, o agrohidronegócio na região, nome dado pelo fato de a água ser o eixo central das obras, será coroado com a transposição do Rio São Francisco ao garantir a segurança hídrica dos projetos das grandes empresas no Vale do Açú, do Jaguaribe, Apodi e Acaraú. O agronegócio se assenta em dois pilares perversos e violentos nessa região, na visão da professora: expropriação e exploração

“As pessoas se tornaram errantes em suas próprias terras. Foram para territórios onde não tinha a menor condição de receber as famílias. As comunidades de São Rafael não existem mais, as vazantes acabaram porque o rio Assú se tornou um mar de água doce. Depois de expropriados os agricultores são explorados pelas grandes empresas. Não há mais como produzir nas margens dos rios. De repente eles estavam aqui em São Rafael marcando nossas terras sem dizer nada, esconderam as informações, discussões só com os tecnocratas do governo sem participação das comunidades”, disse.

Além das desapropriações existem assustadores índices de câncer, sobretudo no Vale Jaguaribe, com trabalhadores e recursos naturais contaminados pelo envenenamento das empresas, inclusive devido à pulverização aérea. Quase sempre o Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS) prometeu com a ajuda da mídia, segundo relatos, terras e indenizações para as famílias, progresso, e os camponeses pagaram o preço. Foram feitas denúncias pelos crimes sociais e ambientais, como a devastação dos carnaubais, e pesquisas apontaram para a desarticulação das atividades da agricultura familiar. Em todos os territórios ocorreu uma reestruturação fundiária seguida da exploração do trabalhador expropriado, que se tornou assalariado.

“A violência permeia todo esse processo. Temos que lutar contra a imposição do silêncio da mídia, que não se preocupa em apresentar a questão nem na forma de debate. Assumimos a reprimarização da economia na condição de exportador desses produtos e o discurso do colonizado, a condição da nordestinidade com o imaginário de que nessa região tudo é pobreza. Não valorizamos nem mesmo nossa floresta e bioma. Assim se constrói as representações com um discurso que estabelece as relações de poder. Precisamos desmascarar o agronegócio”, destacou.

O agronegócio e a agroecologia no Brasil

É preciso articular mais os povos e organizações afetadas no país para lutar contra esses mega projetos instalados pelo agronegócio, afirmou Denis Monteiro. É um momento muito difícil, de avanços do agronegócio e contradições no próprio governo, mas a agroecologia tem avançado no Brasil, complementou. Para a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), reforçou seu secretário executivo, sempre foi clara a indissociabilidade do fortalecimento da agricultura familiar e o enfrentamento ao modelo hegemônico de desenvolvimento pois não dá para fazer agroecologia sem territórios.

 “O agronegócio vem avançando em vários territórios, aqui nos perímetros irrigados, no cerrado com a soja, que ano que vem vai passar a produção dos EUA. Populações são expulsas e uma série de outros impactos desse modelo. Precisamos articular as lutas da autonomia aos impérios agroalimentares, construir alianças com outros movimentos sociais que discutem essas questões: Economia solidária, saúde, justiça ambiental, etc”, afirmou.

Em setembro de 2011 ocorreu o Encontro Nacional de Diálogos e Convergências, promovido também pela ANA, que ajudou nessa luta ao aproximar redes aliadas políticas que são estratégicas. O objetivo do evento foi construir coletivamente propostas para outro modelo de agricultura familiar e agroecologia. “Não temos dúvida que é possível produzir sem veneno, hoje estudos no mundo inteiro mostram que os sistemas agroecológicos são tão bons ou melhores que os dos pacotes tecnológicos, pois recuperam o solo, promovem a autonomia camponesa com os seus insumos, dentre outros fatores. É a quantidade e a qualidade conservando os recursos naturais. É um desafio político, pois sabemos que não vai aumentar o número de agricultores se o avanço do agronegócio permanecer. Precisamos fazer esse enfrentamento, e construir outras propostas para os territórios”, ressaltou.

O III Encontro Nacional de Agroecolocia (ENA), previsto para maio de 2014 em Juazeiro (BA), é mais uma oportunidade para esse fortalecimento do campo agroecológico. Com a proposta de colocar a questão “Por que interessa a sociedade apoiar a agroecologia?”, serão apresentados os impactos positivos da agroecologia para qualificar o debate, além das denúncias do agronegócio. Nesse contexto, a comunicação tem se tornado central e a organizações têm se mobilizado para ampliar seus meios de informação. O lançamento do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo), lançado no dia 16 de outubro em Brasília com a presença da presidenta, é mais uma porta para ser explorada no debate.

“Precisamos desenvolver instrumentos para mostrar para a sociedade por que o agronegócio gera riqueza para poucos e pobreza para muitos, além de devastações ambientais. Percebemos nesse processo do PLanapo que, em que pese a hegemonia dentro do governo, há setores nadando nessa contra corrente. Setores que vêm construindo políticas interessantes para a agricultura familiar num ambiente bastante desfavorável. Vamos tentar apontar as contradições do agronegócio com esse plano, num país que tem um plano de agroecologia é o campeão do uso de agrotóxicos no mundo”, criticou.

Há um programa de redução dos agrotóxicos no plano, é responsabilidade dos movimentos pressionar para que saia do papel. Alguns avanços em relação ao crédito, assistência técnica rural, sementes crioulas, dentre outras iniciativas, também estão contemplados. Todo esse trabalho de promoção da agroecologia sempre foi feito pelas assessorias e agricultores sem apoio do estado, às vezes inclusive enfrentando políticas públicas, então é preciso aproveitar esse reconhecimento. Existem muitos desafios para esse plano, que v ai até 2015, se efetivar e apesar da disputa desigual com a hegemonia do agronegócio é preciso avançar nas conquistas e continuar na luta.  

“No semiárido é evidente a disputa de duas visões para o desenvolvimento da região, uma delas com a instalação dos perímetros irrigados com o combate a seca que está no discurso de todos os políticos da região, e a convivência com o semiárido da agroecologia na valorização da biodiversidade, busca de mercados locais, segurança alimenta. Esperamos que as caravanas agrocológicas fortaleçam essas lutas, denunciando esses projetos e dando visibilidade para outras alternativas. A construção da ANA é uma coalização ampla de movimentos para construir essa unidade política com princípios e adversários comuns.”, concluiu.