Após o lançamento do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo) no dia 17 de outubro, conversamos com o Secretário de Agricultura Familiar do Ministério do Desenvolvimento Agrário, Valter Bianchini, para ele fazer uma avaliação sobre esse processo. Embora reconheça que a agroecologia ainda não apresente uma alternativa ao modelo hegemônico agrícola brasileiro, Bianchini acredita que as iniciativas agroecológicas estão crescendo e os avanços do Plano podem criar um novo cenário para os próximos anos.
Como foi esse processo que desencadeou o lançamento do Planapo?
O processo foi muito rico desde a mobilização da Marcha das Margaridas, o debate na Rio+20, esse processo crescente das principais organizações sociais e da agroecologia colocaram a deliberação da presidenta Dilma, do lançamento da PNAPO (Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica), o decreto que orienta a política, o programa, e depois a própria construção do programa. Um grupo de dez ministérios da CIAPO (Câmara Interministerial de Agroecologia e Produção Orgânica) trabalhando intensamente. Um diálogo constante da CNAPO (Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica) com a sociedade civil, então foi um processo rico de concertação e aproximações que redundou nisso que é um marco para a agroecologia e a agricultura orgânica. É lógico que não foi possível atender todas as demandas do conjunto das organizações, mas ele é considerado por todos um marco importante para o avanço da agroecologia como forte alternativa para um programa de agricultura mais sustentável ao Brasil.
Quais são os pontos mais significativos que trazem avanços mais consideráveis nessa área?
O ponto expressivo é justamente o caráter mais sistêmico da ação. Como envolvemos dez ministérios, conseguimos dar uma sistemática mais multidisciplinar e multisetorial às políticas de apoio a agroecologia. A Chamada de Agroecologia lançada hoje (17), por exemplo, o edital do CNPq que envolveu cinco ministérios (educação, ciência e tecnologia, pesca, agricultura e desenvolvimento agrário). A Chamada de Agroecologia teve forte participação das principais organizações da agroecologia em toda sua construção. Então a riqueza é esse caráter intersetorial dos diferentes ministérios, assinando um conjunto de ações, de programas e metas, que vão requerer grupos intersetoriais de discussão daqui para frente. Destacamos um forte compromisso da política de Ater (Assistência Técnica e Extensão Rural), da política da pesquisa e ensino, uma prioridade grande a esses setores. Políticas de integração e articulação para a agroecologia e a agricultura orgânica, com um orçamento importante e uma ação integrada. Estamos com um grupo de trabalho agora para adequar pelo menos R$ 7 bilhões para políticas de crédito a agroecologia. Isso é outro fator importante, adequar mais aquela rigidez do crédito para essa diversidade que é a agroecologia. O financiamento não à culturas, mas a sistemas complexos de produção e toda essa questão de muitos insumos intermediários gerados na própria propriedade. Ver como adequar aquela rigidez das planilhas, das normas de seguro, a essa realidade da agroecologia. Porque o crédito também é uma ação importante, mas é um conjunto de mais de uma centena de ações e é difícil especificar as mais importantes. Crédito e ater são dois setores que o programa traz muitas novidades.
Em relação à demanda da sociedade, o que foi mais delicado na negociação? A reforma agrária foi colocada como fundamental para a agroecologia e não teve avanços.
Todos reconhecem que reforma agrária, regularização fundiária, são dois itens fundamentais para termos possibilidade de construção de sistemas de produção agroecológicos mais sustentáveis. Não que isso foi abandonado, o grupo da CNAPO e CIAPO vai fortalecer muito a necessidade de trabalharmos nessa proposta de reestruturação e redesenho dos sistemas de produção. Esse componente da documentabilidade dos nossos agricultores e agricultoras, e essa questão da própria reforma agrária que ele seja um item importante. Assim como é importante o acesso à água, é outro item que para agroecologia é fundamental.
E esses temas quase não estão contemplados no Plano.
O plano traz metas. Hoje anunciamos 60 mil tecnologias sociais de acesso à água para a agroecologia. Mas o que o plano traz de metas e políticas é mais abrangente do que a Política Nacional de Águas e o III Plano de Reforma Agrária. Trazer tudo para o plano poderia complicar e deixar muito complexo. Então o plano separou mais as ações próprias da agroecologia, e vai criar junto a CNAPO e a CIAPO sugestões, monitoramento, reforço a outros temas importantes para a agroecologia. Trazer tudo para o plano a gente perderia o foco.
O modelo hegemônico é mais direcionado à questão do agronegócio e às empresas. Como você vê a agroecologia e o lançamento do plano nesse contexto?
O Plano ainda não tem forças para ter uma meta alternativa ao modelo hegemônico, mas prevê avanços importantes. Nós hoje temos 10 mil propriedades, em torno de 6 mil produtores orgânicos cadastrados no Ministério da Agricultura. Pretendemos até 2015 avançar para mais de 50 mil produtores cadastrados, e universalizar a proposta de Ater para 150 mil agricultores e agricultoras em toda essa diversidade. Então ele tem um desenho que ao final de 2015 a gente quer sim já mostrar que é possível trabalhar uma grande transição agroecológica, um modelo alternativo para a agricultura brasileira. Mais sustentabilidade, preservação dos recursos naturais e redução drástica no uso de agrotóxicos. Vamos ter um referencial muito maior de propriedades agroecológicas, mostrando que é possível uma nova alternativa, um novo desenho para a agricultura brasileira.