Por José Coutinho Júnior
Da Página do MST
A contenção da inflação dos alimentos se tornou tema de muitos debates nos últimos meses. Diversos especialistas e economistas alegam que, para diminuir a inflação, é necessário um aumento nos juros, medida que quando tomada restringe a capacidade de consumo da população.
Para o diretor da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Silvio Porto, o controle da inflação dos alimentos, assim como a diminuição dos preços e a garantia de independência alimentar no Brasil só vão ocorrer se existirem medidas de estímulo e subsídios à produção de alimentos pela agricultura familiar.
“É uma questão muito mais conjuntural, e não tem nenhuma relação com a necessidade de aumento de juros. A inflação é um tema preocupante, mas certamente com uma afirmação política no sentido de promoção da produção e maior disponibilidade e oferta se resolve essa questão”
Confira abaixo a entrevista de Silvio Porto para a página do MST:
Quais os motivos da alta do preço dos alimentos?
É preciso considerar que a forma de medir a inflação tem um critério. É uma lista de produtos bastante restrita, e nesse caso específico, principalmente o arroz, feijão e farinha tem tido um impacto expressivo em manter os preços altos. Principalmente a farinha, por conta da quebra de safra no nordeste em função da prolongada estiagem.
O arroz teve uma elevação expressiva no ano passado, e o feijão teve uma quebra muito significativa na safra de verão de 2012, e não se recompôs em termos de gerar uma grande oferta para uma recaída de preços. Esses três elementos juntos, com a questão conjuntural do tomate, cebola e batata fez com que continuássemos com a alta de preços de 2012 neste quadrimestre.
Na verdade, é uma questão muito mais conjuntural, e não tem nenhuma relação com a necessidade de aumento de juros, porque estamos falando de uma inflação de alimentos, não é uma inflação de demanda por bens duráveis que poderiam, na lógica convencional forçar o uso instrumentos da política monetária como o aumento de juros.
A inflação é um tema preocupante, mas certamente com uma afirmação política no sentido de promoção da produção e maior disponibilidade e oferta se resolve essa questão.
Quais medidas a Conab toma para ajudar na queda dos preços dos alimentos?
Primeiro, em relação ao arroz, nós temos uma intervenção mais efetiva a partir do estoque público e já defendemos que devíamos ter entrado no mercado vendendo parte do nosso estoque público em nível de atacado, para baixar o preço para o consumidor.
Também precisamos pensar em usar os instrumentos de política pública, em especial dos preços mínimos, que poderiam ser um instrumento para controlar a variação de produtos perecíveis, como tomate, cebola e batata, que tem uma importância muito significativa no consumo diário das famílias.
Poderíamos fazer dessa medida um sistema para regular esse ciclo de ofertas demasiadas e reduções drásticas, seja por questões climáticas, seja por quedas de preços que promovem um desestímulo à produção. É possível intervirmos para garantir segurança de preços aos produtores usando os instrumentos que temos hoje.
Como a desregulação dos estoques da Conab, iniciada na década de 1990, afeta a inflação?
Na verdade, de 2003 para cá, conseguimos inverter isso. Nos anos 1990, foi uma afirmação da visão neoliberal no sentido de que a regulação não caberia ao estado, ou seja, o mercado vai regular a oferta e a demanda.
Retomamos esse papel desde 2003, e a gente vem trabalhando com recomposição de estoque. Chegamos a ter em 2010 quase 6 milhões de estoques em trigo, milho, arroz. Então a importância dos estoques hoje já é algo que não está mais em discussão no governo.
Assentou-se uma visão de que o estoque público é fundamental e exatamente por isso foi lançado um plano de armazenagem público e privado, na perspectiva de que a Conab vá aplicar R$600 milhões para recompor sua capacidade e estrutura de armazenagem.
O Brasil vem importando grandes quantidades de diversos alimentos básicos, como trigo, arroz e feijão. Qual o impacto desta dependência para a soberania alimentar brasileira?
Há que relativizar essa dependência da importação. O trigo de fato é um problema, por conta da falta de uma política de estímulo à produção, e também porque nós poderíamos utilizar, no caso da farinha de trigo, algo que tentamos por um projeto de lei, mas que fomos derrotados no Congresso em 2005 é a possibilidade de fazer misturas de outros amidos, como milho ou mandioca, como forma de substituir a importação.
Hoje tranquilamente poderíamos, sem nenhum tipo de prejuízo do ponto de vista da fabricação de pães, por exemplo, incluir até 20% de outros amidos, e mandioca seria um produto interessante por ser comumente consumido no Brasil, então poderíamos retomar a produção de mandioca pelos assentamentos da Reforma Agrária, pela agricultura familiar e camponesa, fazendo disso um processo de substituição da importação.
Temos nos mantido em torno de 4,5 a 5,5 milhões de toneladas de trigo para um consumo de 10,5, então temos uma dependência de fato.Quanto ao feijão, não chegamos a importar 10% do que consumimos, mas quando olhamos só o feijão preto, é bastante expressiva a importação.
Isso facilmente poderia ser resolvido por uma questão de estímulo, que é o que tentamos fazer agora a partir de uma recomposição de preços mínimos, onde colocamos o preço mínimo do feijão preto a R$100,00 mesmo o preço no mercado esteja a R$ 200,00, mas fazemos isso na perspectiva de que na safra seguinte tenhamos uma retomada de produção, para conseguir diminuir ou substituir as importações.
Qual a importância da agricultura familiar e camponesa no controle dos preços dos alimentos e na garantia da soberania alimentar?
A agricultura familiar e camponesa afirma e garante a biodiversidade que nós temos. O agronegócio é um especialista em rentabilidade, principalmente em cima das commodities, e para garantir a produção dos produtos básicos é que a agricultura camponesa é fundamental.