RMC Conferência Agrobiodiversidade 01Apresentar alternativas ao uso de Transgênicos e Agrotóxicos na produção agrícola brasileira, esse foi o objetivo da Conferência Temática sobre Agrobiodiversidade, realizada em Brasília nos dias 20 e 21 de junho. Ao final do evento foram sistematizadas dez propostas que serão encaminhadas para as etapas estaduais preparatórias para a 2ª Conferência Nacional de Desenvolvimento Rural e Sustentável Solidário, prevista para outubro. Organizado pelo Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (Condraf), ambos do Ministério do Desenvolvimento Agrário, integrados paritariamente pela sociedade civil e o governo, participam lideranças de movimentos sociais, pesquisadores e gestores públicos.

 

De acordo com Roberto Nascimento, diretor do NEAD, a agroecologia é fundamental para pensar o desenvolvimento rural brasileiro. Ele explicou que em 2008 ocorreu a primeira Conferência Nacional e o seu resultado foi a aprovação da Política de Desenvolvimento Rural, que elencou prioridades na perspectiva da agricultura familiar: reforma agrária, mulheres, juventude, povos e comunidades tradicionais, etc.

“A Política ainda está no Congresso, no foi retirada e na Câmara ainda está tramitando. Mas teve influência em algumas políticas. Haverá essa 2ª Conferência cinco anos depois para criar um Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável e Solidário com objetivo de colocar em prática nos próximos 20 anos todas as temáticas debatidas na última década junto aos movimentos sociais e o governo. É muito importante para o povo brasileiro”, observou.

Segundo o pesquisador, apesar de não convivermos mais com a escravidão ainda enfrentamos o latifúndio e a produção direcionada para o exterior, hoje chamada de commodities, sobretudo da soja. Nascimento, no entanto, defende que temos políticas com uma direção econômica diferenciada na ainda atual modernização conservadora.

“Ter no ministério políticas para a agricultura familiar e a reforma agrária já são avanços. E nos leva a pensar na participação popular, é o governo e a sociedade civil integrados pensando num plano nacional que pense o futuro. É também subverter com a tradição da nossa história, num momento oportuno com participação popular nas ruas. Tivemos uma série de conferências e conselhos no Brasil, participação popular é isso”, afirmou.

A Conferência foi concebida no âmbito do GEA – Grupo de Estudos em Agrobiodiversidade, que foi construído nos últimos seis anos para acompanhar a forma como o governo vem internalizando em suas políticas o tema dos transgênicos. Gabriel Fernandes, da AS-PTA e integrante da Comissão Nacional da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, criticou o papel da Comissão responsável pela biossegurança, pois, em sua opinião, o órgão tem atuado mais na promoção da biotecnologia.

“Foi criado esse grupo da sociedade civil com pesquisadores para trabalhar questões da agrobiodiversidade de forma mais ampla. Precisamos pensar um processo maior  de transição para agroecologia, aproveitando o que está sendo construído no Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica”, concluiu.

Hoje o Brasil é o país com a segunda maior área de transgênicos , menor apenas que os Estados Unidos, basicamente com a soja e o milho. Esse cenário permite reunir um conjunto grandes evidências para um balanço dessa última década, complementou Fernandes, já que o Brasil começou em 2003 a reformar seus marcos regulatórios visando à liberação do plantio dessas culturas. É preciso apurar que resultados produziram todas as as promessas e comparar a propaganda com o que está de fato acontecendo no campo, concluiu.

Ciência versus poder econômico

RMC Conferência Agrobiodiversidade 05A abertura da Conferência Temática contou ainda com palestra magna do professor Paulo Kegeyama, ex- diretor de biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente. Ele iniciou sua fala criticando os critérios de aprovação de transgênicos pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), da qual foi membro por 4 anos. Para ele, os resultados de suas votações, sempre favoráveis às liberações desses produtos, indicam um jogo de cartas marcadas. O especialista apresentou seu projeto de pós graduação na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo, onde é professor titular, com centenas de assentamentos da agricultura familiar que estão em processo de transição agroecológica via sistemas agroflorestais.

“O que domina a produção de alimentos é o agronegócio, as grandes empresas, gerando um meio rural sem gente. Segundo o Censo do IBGE, 85% da produção são de agricultores familiares em apenas 30% da área nacional. Estudamos há 30 anos a biodiversidade tropical, queremos explicar a crise sócio ambiental do agronegócio e por que tanta utilização de agrotóxicos associada aos transgênicos. Mostrar esse desequilíbrio da tecnologia moderna que exige a utilização massiva desses instrumentos. É importante mostrar que as mesmas empresas dos agrotóxicos abocanharam o sistema de sementes”, destacou.

Ele levantou dados que apontam para uma produtividade mais qualificada, e com custo inferior ao modelo agroindustrial. Nesse sentido, Kegeyama critica o fato de sermos desde 2008, segundo a Anvisa, o país campeão de uso de agrotóxicos. E defende que o sistema agroecológico produz mais emprego e alimentos saudáveis, além da promoção sócio ambiental, e é importante ampliar a escala de adoção dessas tecnologias para influenciar as políticas públicas.

“Estamos nos envenenando. E os transgênicos causam impactos aos agricultores, é uma política para desenvolver as grandes indústrias e empresas. Grande impacto sobre a saúde humana. Na CTNBio vi processos apresentados pelas empresas sem nenhum rigor científico e que mesmo assim fora aprovados“, alertou.

Em 2012 uma pesquisa publicada na revista Food and Chemical Toxicology, referência na área de toxicologia, mostrou tumores provocados pelo glifosato, agrotóxicos mais utilizado no Brasil nos últimos 10 anos. A pesquisa durou 2 anos, ao contrário da média de 3 meses dos estudos apresentados pelas empresas. Essa foi mais uma lembrança do professor, que trabalha no sentido de empoderar as comunidades de tecnologias em favor da agricultura familiar.  

“Em São Paulo 6.500 famílias, cerca de 35 mil pessoas, trabalhamos com uma pesquisa participativa. O MST recebeu a terra da reforma agrária, no Portal Paranapenema. Avaliamos o uso de macaúba em sistemas agroflorestais, e ela produz dez vezes mais que a soja. São sistemas com várias espécies combinadas, naturalmente ou não, na perspectiva da transição agroecológica. O conhecimento da biodiversidade é a base para se promover essa tecnologia ”, disse.

A transgenia é, de fato, uma tecnologia excludente e quem conserva e usa as variedades crioulas convive com o desafio da contaminação que pode vir do vizinho que planta transgênicos. Por outro lado, a sociedade vem dando cada vez mais importância à qualidade dos alimentos, complementa, e o setor de saúde nas universidades e na própria Anvisa começa a ligar os fatos às doenças graves em regiões que usam muito agrotóxicos. Os sistemas agroflorestais têm promovido a segurança e soberania alimentar, mas isso é abafado pela grande propaganda midiática. Estudos mostram que a produção de leite com sombreamento de árvores nos pastos, por exemplo, garante no mínimo 10% a mais de produção. Teses em relação ao custo e produtividade da agroecologia comparada ao agronegócio, segundo o professor, mostram que as outras espécies da diversidade não são computadas: o custo de produção em sistemas agroecológicos, garantindo maior renda ao produtor.

(*) Foto: Rafael Carvalho/MDA