Um documento contendo 20 ações e políticas fundamentais à agroecologia foi aprovado, na última sexta-feira (24), no encerramento do VI Seminário Estadual de Agroecologia, em Pinhalzinho. A atividade, que iniciou na quinta (23), reuniu mais de 2,5 mil pessoas em painéis, palestras, debates, oficinas e visitas a experiências agroecológicas.

 

“O Seminário sintetiza um acúmulo de muitos debates, pesquisas e dados que apontam para a necessidade de revisão do sistema produtivo de alimentos aqui e no Brasil”, afirma o vice-reitor da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), professor Antônio Inácio Andriolli, que participou do evento na Mesa Redonda da tarde de quinta-feira, sobre a utilização de transgênicos no País. A UFFS é uma das universidades que integra o grupo de mais de 20 instituições, entidades, associações, cooperativas e grupos que promoveram o Seminário em Pinhalzinho.

Na avaliação de Adriano Scariot, integrante da Comissão de Organização do Seminário, o documento apresentado pelos participantes, intitulado “Manifesto Agroecológico de Pinhalzinho”, organiza as demandas da agroecologia de forma a envolver não só os Poderes Públicos, mas a própria sociedade, no debate por mudanças no sistema produtivo agrícola, em Santa Catarina e no Brasil. “A questão do uso da estrutura pública de pesquisa e extensão é um dos pontos que queremos debater. Precisamos, sim, que estas estruturas atuem no apoio ao sistema agroecológico”, observa Scariot.

Documento aponta prioridades

Entre os principais pontos aprovados no “Manifesto Agroecológico de Pinhalzinho” estão a garantia, em todos os espaços institucionais, que a alimentação escolar seja contemplada no mínimo por 30% de produtos oriundos da agroecologia; a implementação de políticas públicas de incentivo à produção de sementes básicas orgânicas; a implantação, por parte do poder público, de linhas de crédito adequadas à agroecologia; e uma Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) que leve em conta não só a produção agrícola das famílias, mas sim o contexto cultural e social do campo.

Este último ponto, segundo os especialistas no setor, é fundamental para garantir a redução do êxodo rural e o apoio às famílias do campo, com qualidade de vida. Ele se une a outro ponto, o último do documento, que é a criação de um programa para pagamento de bolsa de estímulo aos jovens agricultores agroecológicos, para que permaneçam no campo.
Outra questão considerada fundamental é a garantia de subsídios públicos para a produção agroecológica, dirigida a agricultores em processo de transição de uma produção agroquímica para a agroecológica.

VEJA ABAIXO A ÍNTEGRA DO DOCUMENTO

MANIFESTO AGROECOLÓGICO DE PINHALZINHO

O VI Seminário Estadual de Agroecologia, realizado em Pinhalzinho, é o mais recente resultado de uma sequência de ações e debates, iniciados em 1999, na cidade de Rio do Sul, com o I Seminário, e que se seguiu em Chapecó (2001), Florianópolis (2005), Lages (2008), e São Miguel do Oeste(2010).

Agora com o tema “Semeando possibilidades, colhendo novas realidades”, os mais de 2.500 presentes, entre agricultores e agricultoras, estudantes, professores, agentes públicos, pesquisadores, técnicos, extensionistas, sindicatos, movimentos sociais e organizações afins, oriundos de mais de 220 municípios de diversas regiões de Santa Catarina e de outros Estados, vêm a público apresentar o acúmulo desta caminhada de 14 anos.

Reafirmamos nosso objetivo comum de lutar para construir e estimular um sistema de agricultura sustentável para toda a coletividade humana, baseado nos princípios da agroecologia.

Denunciamos e repudiamos o emprego da ciência e da política a serviço de interesses privados, que comprometem a biodiversidade no Planeta. As regras da CTNBIO com relação aos transgênicos contrariam a biossegurança e o princípio da precaução, e são vulneráveis aos interesses comerciais.

Repudiamos o subsídio destinado à aquisição de sementes transgênicas através de programas públicos, como o Programa Troca-troca, do Governo do Estado de Santa Catarina.

Da mesma forma, denunciamos e manifestamos contrariedade com os critérios de liberação e uso de agrotóxicos já proibidos em outros países; muitos, inclusive, proibidos nos próprios países onde são produzidos. Tais procedimentos afrontam o direito humano mais fundamental, a vida, e comprometem a qualidade das águas, solo e biodiversidade.

Preocupa-nos a ausência de políticas estruturantes para a permanência da juventude no meio rural catarinense, onde se confirma um grande êxodo, perda de identidade cultural, masculinização e envelhecimento da população camponesa.

O papel da Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) deve ir além da questão agrícola. Precisa promover inclusão social e reintroduzir o enfoque agroecológico como eixo das ações de governo, e não apenas como mudanças técnicas pontuais, orientadas para a conquista de nichos de mercado de produtos orgânicos.

A ATER também deve levar em conta, nos editais e chamamentos públicos, o trabalho histórico das ONGs e cooperativas junto aos agricultores agroecológicos, reconhecendo, ampliando e efetivando sua participação.

Ressaltamos o protagonismo das mulheres na agroecologia. Com sua fibra, coragem, determinação, cuidado e amor à vida são cada vez mais determinantes nos espaços de produção, comercialização, consumo e organização. As mulheres fornecem exemplos que pavimentam um novo jeito de ver e fazer agricultura, harmonizado com a natureza, com a saúde, a solidariedade, a liberdade e dignidade humanas. As políticas públicas e ações no campo da agroecologia devem, portanto, estar fundamentalmente orientadas para elas, suas demandas, anseios e necessidades.

A educação e a pesquisa, principalmente a pública, devem ter como prioridade científica e metodológica a agroecologia, promovendo o diálogo permanente entre conhecimentos acadêmicos e populares. Essa pluralidade metodológica valoriza diferentes estratégias para a inserção do enfoque agroecológico nas instituições de ensino, superando a noção clássica de pesquisa & desenvolvimento, assim como o enfoque de transferência de Tecnologia.

A inserção de alimentos da agricultura familiar agroecológica junto às estruturas públicas consumidoras ainda é limitada, devendo ter uma maior abertura e valorização social, democratizando o acesso ao alimento agroecológico e oportunizando a organização e a inclusão de novas famílias.

Defendemos que os poderes Executivo e Legislativo catarinense atuem na formulação e estruturação de políticas e programas públicos que atendam aos interesses da agricultura familiar ecológica, além de campanhas educativas voltadas aos agricultores e consumidores, conscientizando para uma a produção e consumo de alimentos saudáveis.

Imbuídos deste espírito de compromisso, responsabilidade e amor pela vida propomos:

1. Realização de eventos regionais e estaduais que tratem e envolvam a juventude rural, estudantes de diferentes áreas e organizações parceiras;
2. Que o poder público, as instituições de ensino, pesquisa e extensão e os agentes financiadores valorizem e validem o uso de tecnologias sustentáveis, como a bioconstrução, para a habitação rural;
3. Implementação de políticas públicas de apoio aos Sistemas Participativos de Certificação de produtos orgânicos;
4. Identificar e realizar esforços públicos e não públicos direcionados a organizar as demandas por abastecimento, bem como as diferentes formas de circulação de produtos, atendendo mercados diversos, principalmente o Institucional;
5. Desburocratização da legislação que normatiza o credenciamento dos Organismos Participativos de Avaliação da Conformidade Orgânica – OPAC (Instrução Normativa 19 de 2009) a fim de facilitar a ampliação dos Sistemas Participativos de Garantia dos produtos orgânicos e oportunizar que mais grupos de agricultores possam organizar a sua produção e comercialização;
6. Garantir, em todos os espaços institucionais, que a Alimentação Escolar seja contemplada no mínimo por 30% de produtos oriundos da agroecologia;
7. Cancelamento dos contratos de terceirização da alimentação escolar, em Santa Catarina, em função da queda na qualidade do alimento e do desrespeito à Lei que prevê aquisição de 30% dos produtos da agricultura familiar;
8. Implementação de políticas públicas de incentivo a produção de sementes básicas orgânicas por parte do Poder Público e entidades ligadas a produção agroecológica;
9. Moratória imediata à liberação de qualquer tipo de Organismo Geneticamente Modificado (OGM);
10. Proibição da utilização de sementes transgênicas nas políticas de troca-troca e distribuição de sementes no Estado de Santa Catarina;
11. Incorporação das mudas e sementes agroecológicas e crioulas nos programas de troca-troca e distribuição de sementes;
12. Implementação, por parte do poder público, de linhas de crédito sem juros, ou com juros subsidiados específicos e adequados à agroecologia. Controles mais rígidos e eficientes da comercialização de agrotóxicos, responsabilizando as estruturas de vendas, agricultores e técnicos e técnicas envolvidos(as);
13. Desburocratização da ATER pública;
14. Aliar o conjunto de necessidades de ATER com a educação agroecológica, de modo a aproveitar o conhecimento adquirido nas escolas, levando em conta as necessidades que os agricultores têm em produzir com base na agroecologia;
15. Retirada de tributos (por exemplo, ICMS) dos alimentos oriundos da Agricultura Familiar Ecológica;
16. Que as feiras livres e espaços de venda direta sejam considerados pelo Ministério do Desenvolvimento Social como “equipamentos públicos de segurança alimentar e nutricional;
17. Que a educação formal e não formal sejam consideradas como um dos grandes pilares de sustentação dos processos agroecológicos;
18. Que as entidades ligadas à agroecologia se reúnam para estabelecer plano de trabalho para a construção da Política Estadual de Agroecologia;
19. Subsídios públicos para a produção agroecológica e agricultores em processo de transição para a agroecologia;
20. Criação de programa para pagamento de bolsa para estimular os jovens agricultores agroecológicos a permanecerem no campo.

Pinhalzinho, outono de 2013.