rsz caravana foto ctaAraponga (MG) – Foi dada a partida do III Encontro Nacional de Agroecologia (ENA): oito vans, com cerca de 15 pessoas, mais alguns carros, percorreram aproximadamente 200 km de Viçosa até Espera Feliz, divididas em três rotas diferentes. A Caravana Agroecológica e Cultural passou por dez municípios da Zona da Mata mineira. Na manhã da última quarta-feira (22) uma delas esteve nas praças de São Miguel e Canaã, dialogando com os alunos das escolas locais e distribuindo folhetos com explicações sobre a agroecologia. Todas as cidades no entorno são caracterizadas pela agricultura familiar, com forte presença do café, além de outros cultivos. 

caravana sao miguelDurante o caminho Élida Miranda, mestranda em educação no campo e agroecologia na Universidade Federal de Viçosa (UFC), também moradora da região, relatou que muitos pequenos agricultores estão sofrendo com a produção de frangos nessas cidades. A empresa Pif Paf, segundo ela, há dez anos entrou na região e hoje muitos pequenos empreendimentos estão sendo desativados e deixando os agricultores endividados.

 “Eles não têm capital para investir nas granjas, estão sendo descartados e readaptando a agricultura, voltando a plantar. Há também o problema ambiental pelo esterco das galinhas, além de muitos problemas neurológicos na população causados pela ingestão do leite da vaca alimentada com esse esterco. Só estão ficando os que têm alta tecnologia e estão na beira da estrada ou perto de Visconde de Rio Branco”, alertou.

criança sao miguelSão de 11 a 14 galinhas por m², contou um morador, com o preço de R$ 0,39 por animal. A empresa arruma o frango e a ração, mas a infraestrutura e possíveis prejuízos ficam por conta do agricultor. “O agricultor fica dependente e não consegue produzir outra coisa”, critica a estudante.

Outra denúncia feita pelos moradores da região é a contratação, por parte dos grandes fazendeiros, de haitianos para a colheita do café. Vindos de Rondônia, são mão de obra barata e quase escrava. O Ministério Público já foi lá mas, segundo os relatos, como os haitianos têm carteira assinada o caso não foi parar na justiça. Trabalham de 6h às 22h, segundo uma moradora, fazem todo tipo de trabalho e ainda devem a passagem aos donos das terras.

Escola Família Agrícola Puris

aula efaA Escola Família Agrícola (EFA) é um dos frutos da luta realizada pelos agricultores, através da associação dos produtores rurais da região. A escola fica na comunidade São Joaquim, em Araponga, zona da mata mineira, e seu nome se refere aos indígenas que habitaram o local. Foi instalada no terreno que sobrou da divisão das compras de terras pelas famílias. Atende 56 estudantes, do 1º ao 3º ano, promovendo o ensino médio com base no conteúdo nacional integrado ao curso técnico agropecuário. Está em andamento uma obra que vai ampliar o alojamento para receber até 90 alunos. Uma de suas características é a venda de mel produzido pelos estudantes nas aulas práticas, e a agroecologia como eixo pedagógico.

De acordo com Rosania Lopes, coordenadora da escola, no início em 2004 muitos desafios em relação à administração foram superados para concretização do projeto. Idealizada na casa de prefeitura e os agricultores conquistaram a atual sede e foi produzida toda a documentação necessária para realização do empreendimento.

rsz efa faixa“Aprendi pedagogia fazendo escola. Não tinha uma árvore no terreno, comida, água, os meninos ajudaram a construí-la sem recursos. Buscamos parcerias em 2010 e foi equilibrando, hoje estamos num ano estável nessa história toda”, disse.

Os alunos ficam 15 dias em casa e outros 15 no colégio, de acordo com a pedagogia da alternância que é aplicada, explicou Igor Macedo, estudante de 17 anos do 2º ano. Além das aulas, que são direcionadas para a realidade dos estudantes, à noite são exibidos filmes ou realizadas visitas de pessoas para discutir os temas estudados em aula, complementou.

“A escola é tudo, foi onde cresci como pessoa. Cheguei moleque e hoje tenho um conhecimento amplo. A convivência é muito boa, com uma dinâmica diferente, ninguém é melhor que o outro. Sempre sentamos em círculos para conversar. Tem muita aula prática, que a gente explica aos nossos pais e também praticamos em casa. Fazemos também muitas visitas a outras comunidades para aprender”, afirmou.

rsz efa construçaoProfessores e pesquisadores da Universidade Federal de Viçosa, técnicos do Centro de Tecnologias Alternativas, agricultores, dentre outras pessoas, também ajudam no aprendizado dos jovens. Os monitores, como são chamados os professores, são graduados. A produção da escola, junto com a colaboração das famílias da região, dá para subsistência dos alunos. A coordenadora, no entanto, explica que apesar de uma emenda parlamentar garantir o repasse de verbas para bolsa aos alunos, além de outros apoios do governo federal e estadual, a escola não tem condições de atender mais jovens.

“Encher a escola demais vem mais dinheiro, mas não rende tanto na formação do estudante. Não temos condições e recurso humano, nossa EFA funciona com muito querer e colaboração de quem acredita na escola. Cerca de 40% do recurso vai para os impostos, por isso também mantemos esses 15 dias para garantir a escola e a equipe de monitores. Nosso maior salário é de R$ 820,00”, destacou.

Oração da EFA Puris, apresentada pelos alunos ao final da visita:

quintal efaObrigado senhor!
Pela terra onde produzimos nosso alimento,
Queremos alcançar a sustentabilidade praticando a agroecologia,
Juntos, com união e força de vontade, alcançaremos nossos objetivos
Queremos agradecer e pedir benção, para todas as mãos que contribuíram,
Pelo alimento que sacia nossa fome, que nunca nos falte alimento
Nem a nossos irmãos
Amém!

(*) Fotos: Rodrigo Carvalho/CTA e Eduardo Sá/ANA.