abaixo assinadoDesde 2006 camponeses do Município de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, promovem na Praça Rui Barbosa, centro da cidade, a Feira da Roça, que comercializa produtos agroecológicos. Com a mudança de gestão, no entanto, os feirantes estão impedidos de expor seus produtos desde o dia 02 de fevereiro. Nelson Bornier (PMDB) substituiu Sheila Gama (PDT) na prefeitura. O secretário municipal de Defesa Civil, Luiz Antunes, recebeu os feirantes anteontem (30) e afirmou que levará a situação ao prefeito e, possivelmente, no dia 20 de fevereiro será reinaugurado o espaço.

 

 O projeto começou com um mercado produtor, até a prefeitura realocá-los de um prédio para o local atual. Os trabalhadores afirmam que receberam uma nota suspendendo as atividades, e foram informados que a praça ia entrar em reforma e a prefeitura reorganizar o negócio. Dois documentos foram protocolados junto à prefeitura, sem qualquer resposta do poder público. Para dar satisfação à clientela os agricultores e artesãos compareceram na praça na última quarta feira (30), dia semanal da feira e aproveitaram para passar um abaixo assinado, que já reuniu milhares de assinaturas.

O coordenador geral e fundador da Feira da Roça, Luiz Fernando, agricultor do assentamento rural Marapicu nos arredores, explicou que a maioria dos feirantes passou por uma escola de agroecologia realizada por eles e há uma parceria com o Fórum Popular de Economia Solidária local. A orientação, segundo ele, é não usar defensivos químicos e adubos sintéticos. Para se filiar a Associação da Feira da Roça de Nova Iguaçu (AFERNI) é preciso passar por alguns critérios: cada feirante produz sua mercadoria dentro do município, por exemplo, para garantir a qualidade do alimento.

“Os produtos têm que ser saudáveis. Não dá para comparar com a agricultura convencional. Temos 50 feirantes inscritos, estamos trabalhando atualmente com 44 barracas. Cada barraca é usada coletivamente, às vezes três famílias ocupam um só tabuleiro, à medida que vende vai renovando sua mercadoria. Havia uma proposta na secretaria de meio ambiente e agricultura para ser diária, mas não aconteceu porque não temos nenhum investimento em produção. Aquele que planta é o mesmo que colhe e vende, assim você não pode pagar a mão de obra e não tem como se disponibilizar diariamente na praça para venda do produto”, explica.

São vendidas hortaliças, legumes, frutas, fitoterápicos , mel de abelha, mudas, dentre outros produtos. A oferta de produtos agrícolas não é mais variada porque determinadas mercadorias não são plantadas na região, como maçã e uva. A renda obtida pela venda varia de R$ 700 a R$ 800 para cada agricultor num dia de feira.Esse é o tamanho do prejuízo com a paralisação das atividades. A procura, segundo os feirantes, muitas vezes é maior que a oferta: às vezes as pessoas encomendam, porque muitos produtos, apesar da feira ser de 8h às 17h, acabam na parte da manhã. A maioria dos agricultores, quase todos são assentados, sobrevive exclusivamente do dinheiro arrecado na Feira da Roça. A organização deles é feita com barracas padronizadas, uniforme, tudo com a marca dos governos federal, estadual e municipal, além de outros parceiros.

A feira valoriza a agricultura do município, sendo que muitos moradores nem conhecem esse lado da cidade. Desde 1984 eles lutam, inclusive resistindo ao modelo convencional utilizado pelos técnicos, que à época eram entusiastas da “revolução verde” com seus insumos químicos. Mexiam com o brio do agricultor, muitos relatam, se sentiam até discriminados por não utilizarem agrotóxicos e produtos químicos na plantação. É também uma forma de melhorar a qualidade de vida dos agricultores com a venda, e dos consumidores com um alimento sadio. Os clientes ficam conscientes dos efeitos nocivos dos agrotóxicos, através de informações passadas pelos feirantes. Eles vendem direito ao consumidor, evitando o aumento do preço com impostos, notas, embalagens e transportes, já que possuem um caminhão, e outras coisas que pagam para vender no Ceasa. Ficam menos sujeitos às oscilações do preço no mercado também.

“Falavam que a agricultura evoluiu e era preciso aumentar a produção. O adubo químico e o agrotóxico mascaram a produção, você tem resultado maior só que não reparamos os males que são causados. A partir de 1988 tentamos fazer uma desintoxicação do solo e dos lençóis freáticos, porque as terras estavam contaminadas por agrotóxicos. Desde então construímos um projeto para se contrapor ao agronegócio, que abastece o exterior. Temos a obrigação de manter o mercado interno com qualidade que faça bem à saúde do povo”, afirma Luiz.

luiz e edna

A dona de casa Edna Andrade (69) mora há 46 anos em Nova Iguaçu, e é cliente desde o início da feira. Fez o curso de agroecologia promovido pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e EMATER local e com o apoio da AS-PTA, e acha muita falta de sensibilidade dos governantes extinguir o projeto. Segundo ela, a feira é muito importante para o município e eles estão lutando por uma causa justa. Muitos produtos, conclui, na parte da manhã já estão esgotados e os clientes precisam encomendar para garantir sua mercadoria, já que os feirantes não dão conta da procura por falta de condições.

“Vamos limpar o nosso organismo. Uma boa feirinha ajudando pessoas que trabalham, é preciso só boa vontade dos governantes. Eles também não se alimentam? E se alimentar com uma coisa menos agressiva é bom para todos. Conheço todas as pessoas da feira, gosto de todos. Conheci procurando um xarope de umbigo de banana para minha neta, que ficou cinco dias no hospital e melhorou com essas coisas naturais. A feira enche, e tem coisa que só encontra aqui. E os produtos são melhores e duram mais”, destaca a consumidora.

Com formação em licenciatura em ciências agrícolas, Robledo Mendes, foi convidado para a secretaria municipal de Agricultura e Meio Ambiente no ano de 2012, onde fazia o diálogo com os pequenos agricultores de Nova Iguaçu. Ele conta que na mudança de gestão todos os cargos comissionados foram exonerados, e a secretaria extinta para virar Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Turismo e Agricultura, que ainda está sem secretário.  

“A gente fica sem uma secretaria para dialogar e exposto à política da ordem urbana, que já mostrou uma visão bem nociva da Feira da Roça. Essa reivindicação é muito importante, porque coloca a questão da geração de renda para essas comunidades rurais, que são muito castigadas pela falta de políticas públicas. É uma forma de pelo menos manter o sustento e permanência nas áreas rurais. E um grande ponto de diálogo com a comunidade, oferecendo um produto interessante, agroecológico, então o município perde muito com essa postura. É muita falta de informação da prefeitura, e de vontade e atenção para esse público”, critica.

Reunião com a defesa civil municipal

reuniao defesa civil

Três pessoas representando a Feira da Roça, sob intermediação do bispo Dom Luciano, se reuniram anteontem (30) com o novo secretário municipal de Defesa Civil, Luiz Antunes. O bispo se mostrou preocupado, pois muitos agricultores vivem exclusivamente desses produtos. Segundo ele, esse projeto foi acatado pelas prefeituras anteriores, e não tem grandes empresários, são todos do povo do município.

“Eles ganharam um caminhão, é um trabalho sério, guardam tudo na Diocese. Têm apoio do Ministério do Desenvolvimento Social e da Petrobras. Estamos aqui para pedir que você agilize isso com o prefeito. Não é porque muda que o que veio anterior não serve mais, o importante é dar continuidade àquilo que é bom e deve melhorar. O importante é que seja o bem comum. Não atrapalha e presta um serviço de alimento saudável para a população, e emprega a nossa gente. Tem respaldo do governo federal, estadual e municipal”, destacou o bispo.

O secretário afirmou que não é contra o projeto, o problema, segundo ele, é que se trata de um local nobre da cidade e não é a retirada só de um segmento. Antunes ficou de conversar com o prefeito, elogiou a proposta de 30 barracas com famílias dividindo o mesmo espaço, pegou as medidas, e vai dar uma resposta antes do dia 20 de fevereiro, possível data de reinauguração. Seu argumento é que a livre circulação nessa área é uma reivindicação de 90% da população, e o governo tem que assumir seus compromissos.

“O problema todo é a localização, está numa área nobre da cidade. A questão não é da feira em particular, vamos restabelecer o direito na cidade. Falar da legalidade, com regularidade pode ser utilizada com o pagamento do erário de solo público. Quem pode fazê-lo é o prefeito através de decreto, e só havia a autorização. Muita coisa que foi autorizada pelo governo anterior não nos interessa renovar. Vamos ver como adequamos o projeto à realidade de Nova Iguaçu”, afirmou.

O secretário destacou que o governo está tirando os camelôs das ruas, para diminuir a corrupção da cidade e melhorar a livre circulação. O difícil, para ele, é conciliar os interesses de todos os segmentos, como os chaveiros, artesãos, jornaleiros, pipoqueiros e camelôs. No entanto, ele reconheceu a utilidade e qualidade da feira, caso contrário, segundo suas palavras, não teria realizado a reunião nem dado atenção à reivindicação.

Para Mariella Rosa, da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater) de Nova Iguaçu, é preciso ter consciência que essa mercadoria tem não só muita representação em termos de saúde pública mas, também, de soberania alimentar. Rosa afirma que a Feira da Roça foi pioneira na região, elogiada pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome (MDS), que já fiscalizou o local, e apoiada pela prefeitura e diversas organizações, como a Comissão Pastoral da Terra (CPT).

“Além de ser uma feira agroecológica, resgata uma série de produtos que a gente não encontra mais nas prateleiras de supermercado. Essas feiras livres estão sendo consideradas, a nível de Brasil, como eventos de patrimônio cultural. Não é considerada simplesmente uma atividade comercial pelas prefeituras. Há um projeto do MDS, que atendeu Nova Iguaçu, Japeri, Queimados e os arredores, por isso para não parecer camelô fizeram logomarca, uniforme, etc para mostrar que está organizado. Essa feira foi geradora de outras na região. Eles têm regimento interno, e um atestado para provar que são agricultores”, defendeu.

A Associação da Feira da Roça de Nova Iguaçu (AFERNI) estará na próxima quarta-feira (06) reunida com a imprensa na Praça Rui Barbosa pela manhã, e às 14h no Cenfor para mais uma assembleia geral.

Assine aqui uma petição pública em defesa da Feira da Roça.

Assine o abaixo-assinado pela manutenção da Feira da Roça de Nova Iguaçu, na Praça Rui Barbosa. Envie as assinaturas aos cuidados do Programa de Agricultura Urbana, da AS-PTA, no endereço a seguir:

AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia

Rua das Palmeiras 90, Botafogo

Rio de Janeiro – RJ / CEP: 22.270-070

 

Carta dos agricultores e movimentos sociais à Prefeitura de Nova Iguaçu.