Organizações, movimentos sociais e pesquisadores, que integram a Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, entregaram anteontem (29) uma carta à vice-presidente da Unidos de Vila Isabel, Elizabeth Aquino. O documento elogia a escola pelo samba enredo “A Vila canta o Brasil celeiro do mundo – água no feijão que chegou mais um”, composto por Rosa Magalhães, Alex Varela e Martinho da Vila, que enaltece a agricultura familiar. A carta também critica o patrocínio da empresa alemã Basf, uma das maiores fabricantes de agrotóxicos do mundo, devido à associação da imagem do grupo com a biodiversidade.
Ao entregar a carta, Marcelo Durão, da direção do Movimento dos trabalhadores Sem Terra (MST), afirmou que muito do que a escola está colocando é o reconhecimento da pequena agricultura. Os movimentos, nesse sentido, querem colocar uma faixa da campanha transmitindo solidariedade à escola. O local ainda será definido, e ficou a sugestão da própria sede da agremiação.
“Um agradecimento e reconhecimento da pequena agricultura que a escola está levando para avenida, mas temos um posicionamento crítico que está escrito na carta. Enquanto representante dos movimentos organizados do campo, saúdo o reconhecimento da Vila Isabel da importância do pequeno agricultor para a produção de alimentos. Vamos mandar a frase antes, a nossa ideia é valorizar o reconhecimento que a escola deu para o campesinato. Não queremos arrumar nenhum problema para escola”, destacou Durão.
Reconhecendo desde o início a questão da ajuda da Basf, Elizabeth Aquino disse que não há problema mas haverá uma avaliação do conteúdo pois “não é a praia da escola tomar partido”. Ela destacou que em 2008 o enredo da Vila foi “Trabalhadores do Brasil”, e com o destaque da ala dos homens do campo desde então essa temática foi escolhida para entrar na Marquês de Sapucaí.
“Já tinha essa ideia, e com a ajuda do patrocínio da Basf ficou viável. A parte da empresa que está nos ajudando é a do agronegócio mesmo, então todos nós sabemos que são usados agrotóxicos e inseticidas, que pode não fazer algum bem por um lado e por outro tem que haver. Só que nós não temos nada com isso. O carnaval é extremamente competitivo, somente com o repasse da prefeitura nenhuma agremiação faz o carnaval. É preciso buscar outros recursos. Se a Basf é prejudicial, como a Bayer e outras tantas, cabe às autoridades fechá-la. Não vai ser uma escola de samba que vai conseguir isso”, observou.
Animais, espantalhos, natureza, dentre outros elementos que compõem a biodiversidade, serão retratados nas alegorias e fantasias da escola, que apresentará seu enredo no dia 11 de fevereiro. O homem do campo será representado de forma lúdica, sem a imagem dos grandes agricultores e “maquinário agrícola top de linha”, complementou a vice presidente. Segundo ela, de acordo com o regulamento da Liesa (Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro) não é permitida a utilização de merchandisign, então não haverá nenhuma menção à Basf durante o desfile. Beth, como é chamada, não quis revelar o valor do apoio, alegando se tratar de uma prerrogativa do presidente.
A empresa, por sua vez, também não informou o valor do patrocínio. Segundo a assessoria, não tiveram “a confirmação de que a Vila Isabel recebeu qualquer carta de um movimento social a respeito da parceria da Basf, por isso não temos o que afirmar a respeito”. Em nota, eles enviaram um posicionamento que destaca, entre outras coisas, que a parceria é mais uma ação que sustenta a estratégia de negócio da Basf.
“Tal iniciativa é parte integrante da estratégia da Unidade de Proteção de Cultivos na América do Sul, cujo foco principal é a valorização do produtor rural e sua atividade, iniciada em 2009 com uma campanha multimídia de valorização da agricultura nacional intitulada ‘O Planeta Faminto e a Agricultura Brasileira’. Desde então, a Basf tem desenvolvido iniciativas que conscientizem a sociedade sobre a importância da agricultura e também sobre o papel do agricultor não somente para a economia do País, mas também para o dia a dia de todos”, informa a nota.
Um dos autores do samba enredo e talvez o músico mais respeitado pela Unidos da Vila Isabel, Martinho da Vila, segundo sua assessora, se incomodou em função da sua militância com o fato de a escola homenagear os agricultores com apoio do agronegócio. Nesse sentido, o cantor propôs acrescentar a expressão “reforma agrária” na letra da música, mas como o tema é polêmico só consentiram em colocar a palavra “partilhar”, informou sua assessora.
Saúde e biodiversidade não combinam com agrotóxico
Em destaque aos casos de cânceres causados pelo consumo e manejo de agrotóxicos, apontados por diversas pesquisas, Sueli Couto, do Instituto Nacional do Câncer (Inca), lembrou que 40% dos cânceres são passíveis de prevenção. Em sua opinião, é necessário promover a alimentação saudável, que vem da agricultura familiar, responsável pela produção de 70% dos alimentos que chegam às mesas dos brasileiros, de acordo com os dados do Censo Agropecuário do IBGE de 2006.
“Precisamos usar mais esses canais para promover coisas saudáveis. As pessoas precisam entender que os alimentos não vêm do supermercado, porque principalmente as crianças acham que o alimento está empacotado. Precisamos valorizar esse homem que não tem feriado, e de sol a sol ele vai colocar nossa comida na mesa. Os urbanos não reconhecem isso. E é importante que a população possa ter uma alimentação segura”, alertou.
Para contextualizar o que a Basf representa em termos de saúde pública, André Burino, da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV-Fiocruz), explicou que o que une os movimentos na entrega dessa carta é a Campanha permanente contra os agrotóxicos e pela vida, pois o Brasil é o maior consumidor de “venenos agrícolas” desde 2008.
“Seis grandes multinacionais do planeta dominam o mercado mundial de agrotóxicos e sementes transgênicas, e a Basf é uma delas. Reconhecemos o samba com a maior sinceridade, porque a gente vê muito pouco espaço na mídia para reconhecer esse agricultor. Entendemos as necessidades do que se tornou algo muito competitivo entre as escolas, mas a empresa vai querer tirar seu proveito para tentar criar uma imagem indireta de que a Basf combina com biodiversidade. Porque toda a escola virá representando a biodiversidade, só que o agrotóxico não combina com a biodiversidade. Óbvio que os patrocinadores vão tirar proveito disso”, criticou.
Não tem nada com mais visibilidade que o carnaval, uma festa grandiosa internacional, reconheceu a vice presidente da escola. Ela reforçou, no entanto, que há uma liberdade poética do artista para o tema em sua representação e a Vila não fará apologia à empresa. Ressaltou ainda outros trabalhos oferecidos pela Unidos de Vila Isabel à comunidade local na área social, cultural, odontológica, dentre outras, graças a outros patrocínios, como o da Petrobras e o do supermercado Extra.
A carta entregue pelos três integrantes da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida ressalta, dentre outras observações, que: “… a Vila Isabel está sendo usada pelo agronegócio brasileiro para promover sua imagem, manchada pelo veneno, pelo trabalho escravo, pelo desmatamento, pela contaminação das águas do país e por tantos outros problemas. O agronegócio, que não pinga uma “gota de suor na enxada”, nem “partilha, nem protege e muito menos abençoa a terra”, quer se apropriar da imagem dos camponeses e da agricultura familiar, retratada no samba enredo de 2013, para continuar lucrando às custas do envenenamento do povo brasileiro”.