Em Montes Claros, Minas Gerais, uma área de formação e experimentação agroecológica, na perspectiva da convivência com o cerrado e o semiárido, se tornou referência em toda a região norte do estado. O Centro de Agricultura Alternativa (CAA) presta assessoria técnica aos agricultores, tem projetos institucionais e vende a sobra da sua produção. Possui uma horticultura, sistemas agroflorestais, um viveiro de mudas, criação de animais e um banco de sementes crioulas, chamado Casa Regional das Sementes. A replicação desses conhecimentos é feita nas comunidades da região, em parceria com cooperativas, sindicatos e associações, além dos agricultores familiares.
Elizângela é agricultora de Riacho dos Machados (MG), mora em assentamento, e é do conselho diretor do CAA. Aprendeu a plantar com a mãe e avó desde criança, já era ensinada a tratar a natureza sem veneno. Segundo ela, todo o sentimento desse aprendizado fica no coração do camponês, mas é preciso ajudá-los a reviver e expor essa prática ancestral. Ela aprendeu, por exemplo, a usar produtos naturais para conservar as sementes nativas.
“Quando era adolescente fui esquecendo, fui tendo outros interesses. Mas ao construir minha família fui relembrando por necessidade. A gente não desaprende, tem que estimular o jovem para colher isso no futuro. Quando você volta é com muito mais amor”, afirma.
A agroecologia é praticada por vários agricultores há décadas, e seu termo veio apenas traduzir essa cultura, de acordo com a agricultora. A diferença é que pelo acúmulo de conhecimento é mais fácil repassar os ensinamentos para as novas gerações, dando continuidade ao processo.
“A aprendizagem é muito importante, não se aprende rapidamente porque tem que mudar tudo. Reaprender e fazer a transformação dentro de uma propriedade, que começa da mudança do ser humano. Não se faz agroecologia por parte, é um contexto”, concluiu.
Casa de Sementes Regional
Criada em julho de 2009, a Casa de Sementes Regional é um laboratório e armazém de sementes. Um banco de germoplasma popular. Começou a receber sementes para conservação em 2011. Sua estratégia é ter mais variedade que quantidade. Até o momento só estão trabalhando com espécies alimentares, principalmente as em risco de extinção. É um recurso complementar aos bancos comunitários de sementes, também em defesa dos agricultores.
Há todo um rito de entrada da semente, primeiro é feita uma avaliação nas comunidades e seu risco de erosão. Atualmente existem 68 sementes em testes de germinação, com ambiente aclimatado pelo ar condicionado e um desumidificador. A expectativa é que garanta o armazenamento dessas espécies por pelo menos 5 anos. Tudo está sendo registrado. Essa quantidade é o que conseguem monitorar e preservar com qualidade até agora.
Utilizam garrafas pet, com a semente bem limpa e seca. Na etiqueta vêm os dados coletados, como local, espécie, agricultor, data de entrada, etc. Ainda não foi feito o repasse para a multiplicação, está na primeira fase de testes. As sementes não são emprestadas, apenas conservadas. Tudo começou com um trabalho realizado pela AS-PTA e a Fase, em 1991, com sementes crioulas e os guardiões da biodiversidade na região. Fizeram um trabalho de resgate por conta do avanço do agronegócio. Começou com ensaios de milho, em 2002 conseguiram um apoio para preservação e intensificaram o trabalho até 2004. Desde então realizaram seis Feiras de Agrobiodiversidade que vem dsicutindo agroecologia e agroextrativismo na região.
“Nasceu da demanda social local. O assentamento Tapera, em 1996, o Incra dizia que a terra era improdutiva, apesar de há cem anos pessoas morarem ali. As pessoas mais velhas iam passando as sementes, mas com falta de chuva foi se perdendo. O CAA já tinha o trabalho, e com o aumento da produção nas comunidades nasce a cooperativa Grande Sertão. Com a proposta dos transgênicos são pressionados, e surge a necessidade de conservar”, diz Elizângela.
A Casa de Sementes Regional conserva o patrimônio genético, econômico e cultural gerado na região, após o surgimento de vários bancos de sementes comunitários. Tem 65 amostras de 13 municípios. As pesquisas e melhoramentos são realizados de forma participativa, com um método próprio de espaço, tempo, procedimentos e avaliação. Ações em rede e a inserção nas políticas públicas são estratégias da organização: feiras, campanha contra os transgênicos e agrotóxicos, etc. O CAA foi responsável por seu financiamento e são os estagiários que monitoram o processo. Tudo é resolvido pelos agricultores e o conselho. De acordo com alguns agricultores, é necessária uma política de desenvolvimento que valorize as diversidades e o trabalho dessas pessoas.
Cooperativa de polpa de frutas
A comercialização e entrada no mercado local foi outra necessidade dos agricultores da região, de forma a gerarem renda para as suas produções. Por isso foi criada a Cooperativa Grande Sertão, que produz polpa de frutas orgânicas. De acordo com o presidente da Cooperativa, Aparecido Alves, são 17 sabores de frutas nativas do cerrado e caatinga, como a mangaba e o coquinho azedo.
A Grande Sertão faz o acesso a mercados, o beneficiamento dos frutos e a comercialização. Entrega para 36 municípios do norte de minas. Um caminhão busca nas comunidades para fazer o beneficiamento na fábrica: as frutas são identificadas, selecionadas, pesadas, lavadas e processadas, até serem levadas ao mercado. O cooperado recebe um valor superior pelo quilo da fruta (R$ 1,20), e participa do lucro da venda. A comercialização depende da demanda local. São vendidas polpas de 100g e 1kg para o varejo e mercados institucionais (Programa de Aquisição de Alimentos e Programa Nacional de Alimentação Escolar).
“A questão fundiária é complicada, é preciso mostrar a importância de complementação de renda para as famílias. O argumento de nós agricultores é que temos de defender o cerrado, queremos incentivar para combater esse modelo”, disse o presidente da Cooperativa.