Imagem 083Januária (MG) – A mística que iniciou na manhã de anteontem (20) as atividades do VIII EnconASA, em Januária (MG), relembrou mártires da luta pela terra e por outro modelo de desenvolvimento agrícola no país. No dia 20 de novembro de 2004, no acampamento Terra Prometida do MST, em Felisburgo, na região do Vale do Jequitinhonha (MG), cinco pessoas foram assassinadas e treze, inclusive crianças, ficaram feridas. Oito anos depois do massacre, liderado pelo fazendeiro e empresário Adriano Chafik e seus jagunços, ninguém foi condenado. “Tombaram cinco sem terra, mas nós seguimos em frente”, reverenciaram os participantes do evento.

Após a apresentação das 10 delegações com as suas respectivas bandeiras, o coordenador geral de acesso à água do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), Igor Arsky, falou sobre a importância da ASA na construção das políticas públicas no semiárido. Ele destacou que uma das propostas construídas pela organização está espelhada num dos principais programas do governo federal, o Brasil Sem Miséria, e a universalização do acesso à água se materializou com o Programa Uma Terra e Duas Águas (P1 + 2).

“Está com a meta de 1 milhão de cisternas. Uma proposta de política pública que tem no ministério R$ 40 milhões por ano. Começou pequena, ganhou sua relevância e tem como objetivo avançar muito mais com outras ações. A posição da ASA com o MDS só tem a reforçar, e daqui para o final do governo talvez seja a hora de apostar na construção de alguns marcos para a população do semiárido porque os veios políticos podem mudar. Vocês devem seguir firmes na luta”, afirmou.

O representante do governo ponderou, no entanto, que na caminhada às vezes podem ocorrer discordâncias políticas, como a que ocorreu com as cisternas de plástico. Mas ele concluiu sua fala desejando que as organizações terminem o EnconASA com o espírito de que a luta continua na busca por mais avanços. “O que foi construído pela ASA é muito bonito e deve ser transformado em referência para outros estados. O sul e outros países, como a Bolívia, nos pediram cisternas e agora é avançar e contribuir mais”, concluiu.

Três territórios de resistência

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Foram apresentados dois vídeos no encerramento da mística retratando a experiência dos povos tradicionais em três territórios do país que resistem ao modelo hegemônico. Todos retratam como uma política ou empreendimento pode tomar à força as terras de um povo, ou prejudicar os recursos do bioma de onde essas populações retiram sua subsistência.

Em São João das Missões, no Vale do São Francisco, a comunidade indígena Xakriabá foi expulsa a partir de 2002 de suas terras por fazendeiros que estavam desmatando as áreas para a produção de carvão. Os poderosos exigiam a documentação das terras ocupadas há séculos pelos índios, que foram expulsos mas voltaram e, através de muita luta, conseguiram regularizar o terreno. A resistência rendeu 6 anos, até conseguirem uma liminar de concessão de posse e um relatório da Funai que demarca suas terras. Nesse processo alguns foram mortos e a cultura indígena massacrada, mas hoje conquistaram a primeira prefeitura do Brasil governada por um índio e suas terras de volta.

Em Jaiba, também nas beiras do Rio São Francisco, a luta se dá pela água. Segundo o relato de moradores, houve muito desperdício e o rio está abaixando muito, chegando a 100m de distância na beira em alguns trechos. Eles também reclamam do privilégio de algumas empresas, que pagam pela água valores bem abaixo do que os agricultores familiares. A pesca diminuiu muito, e antigamente sobrava. Não podem cortar mais madeira, mas os fazendeiros cortam, dizem os relatos no vídeo. Os moradores reivindicam terra para o trabalho e sementes adequadas à região para não ficarem dependendo dos insumos químicos nas plantações. “Tínhamos mais liberdade para sobreviver. Precisamos unir as forças dos índios, quilombolas, vazanteiros e outros para lutar pelo território. Botar representantes nos governos estadual e municipal, porque no congresso nacional a bancada ruralista tem muito poder”, destacou um indígena.

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A última denúncia foi relatada em forma de peça de teatro, buscando alertar as pessoas do perigo de alguns mega projetos para as populações tradicionais. A Chapada do Apodi (RN) antes era dominada por grandes produtores de algodão e hoje é oprimida por um projeto de irrigação em que o governo federal, segundo os relatos, vai entregar 13 mil hectares para cinco grandes multinacionais. O propósito é a exportação de frutas regionais. Com isso, ainda de acordo com os relatos, centenas de famílias estão sendo expulsas de seus territórios. Toda uma luta pela reforma agrária vencida na década de 1990, quando 15 áreas de assentamentos com milhares de famílias foram instaladas, está sendo desestruturada. Um modelo agroecológico de produção e agropecuária de pequena propriedade, inclusive financiado pelo poder público, está sendo devastado. Os movimentos estão se rearticulando em defesa do Apodi, e organizações de outros estados estão solidárias à resistência da população. A ordem de serviço do início das obras, no entanto, já foi liberada.

Ao final do evento uma fila foi aberta para a plenária manifestar suas denúncias e elogios aos processos na região semiárida. Muitos agricultores criticaram a expansão do agronegócio e as disputas de território, enquanto outros apontaram experiências bem sucedidas, sobretudo pelo acesso à água, promovidas pela ASA. Há esperança para as populações tradicionais que resistem ao modelo hegemônico de desenvolvimento. A organização e resistência do povo estão presentes em quase todos os estados.