ministro mesaMacapá (AP) – O segundo dia (06) no III Congresso Nacional de Extrativismo começou com a participação de dois ministros e diversos representantes do governo federal. O teor da conversa foi de reconhecimento de alguns avanços e cobranças ao governo, que anunciou algumas políticas e assinou acordos e convênios relacionados às reservas extrativistas (Resex). Novamente algumas lideranças assassinadas na luta foram lembradas, e um vídeo com José Claudio mostrou o seu relato de ameaça de morte. Ele foi morto um ano depois no Pará, e a segurança das lideranças e impunidade dos assassinatos, junto com a regularização fundiária, foi uma das principais reivindicações dos movimentos.

“Sou filho da floresta, dependo e faço parte delas. Quando vejo uma árvore indo para a serraria é uma dor, como se tivesse levando um ente querido. As madeireiras são um desastre para quem vive do extrativismo como eu, castanheiro desde os 7 anos. Vivo com a bala na cabeça a qualquer hora, porque eu denuncio os carvoeiros e madeireiras. O mesmo que fizeram com Chico Mendes podem fazer comigo, tenho medo mas não ficarei calado. Enquanto estiver vivo estarei denunciando todos aqueles que prejudicam a floresta”, disse José Cláudio um ano antes de ser assassinado.

O coordenador do CNS, Manoel Cunha, disse que o estado do Amapá serve de exemplo por ter menos de 2% desmatamento nas florestas. Ele destacou também que nunca a amazônia recebeu dois ministros e representantes de mais três pastas interessados em ouvir o que as comunidades da floresta pensam a respeito das políticas públicas. Por isso, reconheceu a valorização e inclusão dessas populações, mas destacaou que ainda falta muito a ser feito e há muita lentidão.

“O governo assume, mas muito lento para o tamanho do problema. Precisamos do SUS na floresta, a assistência técnica de acordo com nossa realidade e não com dosagem de veneno e adubo. Não podemos continuar a ser meramente exportador de matéria-prima. A educação que nós temos em nossas comunidades está modelada de forma errada, precisamos de uma que empodere e dê condição de vida para o nosso meio. Capacitar para gestão das nossas comunidades e associações, passamos anos sendo escravos, precisamos de qualificação e gerir a nossa produção”, destacou.

Ele observou ainda que o governo precisa fortalecer seus braços operativos para apoiar as comunidades, além de melhorar o crédito porque sem ele é difícil conservar a floresta. Uma política de proteção para os extrativistas e a intersetorialidade dos ministérios para dar respostas eficazes, pois muitas das políticas não chega nas bases, também foram observadas. Se tem tanta política, por que não chega nas florestas, questionou. Nsse sentido, ele lembrou que o propósito do evento é propor, sugerir e adaptar as políticas para, ao final, sair uma agenda. Eles exigem o compromisso dos gestores com a política de extrativismo seguindo a linha de Marajó, no Pará, onde já ocorreram avanços.

Após a assinatura de dois convênios de concessão de posse de reservas extrativistas a ministra do Meio Ambiente, Isabela Teixeira, anunciou mais cinco regularizações. Uma portaria criando um Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) foi assinada por ela e o ministro do Desenvolvimento Agrário, Pepe Vargas, para elaborar um Plano de Ação Nacional para o Fortalecimento do Extrativismo. O governador do estado do Macapá, Camilo Capiberibe, atentou para a importância de escutar a experiência de quem vive na floresta para resolver esses problemas . Ele defende que seja criado um PAC da floresta, com política de Assistência Técnica e planos de manejo sustentável, dentre outros mecanismos.

“A pressão em cima das nossas terras só tende a aumentar pela exaustão do centro oeste, queremos o desenvolvimento mas de forma sustentável. O açaí começa na floresta mas gera emprego na cidade também, e quantos produtos como esse existem e não estamos aproveitando? Precisamos de uma política com dignidade das popiulações, mantendo os jovens no campo, com uma perspectiva de crescimento econômico para essas pessoas”, observou.

O grupo interministerial de caráter permanente assinado durante o evento foi um dos destaques da ministra Isabela Teixeira. Ela também observou a necessidade dos gestores públicos enxergarem essas lideranças que vão a Brasília fazer reivindicações, pois são elas que constroem no dia a dia muitas das políticas públicas. A ministra defende que é preciso acabar com a história de que o povo não protege o meio ambiente.

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“Precisa não só a regularização da propriedade, mas de vocês dentro do ICMBio para fazer a conservação das áreas extrativistas e de uso sustentável. Trazer as populações tradicionais para dentro do ministério. Os consultores estão cheio de dinheiro para fazer o plano de manejo que estão parados até hoje no governo. As transformações já começaram, essas mudanças dentro do Incra e a política nacional de agroecologia e orgânicos. Vamos fazer um novo plano de extrativismo no Brasil e isso depende de vocês. Precisamos fazer com que as famílias tenham renda, e para isso tem que mudar o modelo e ter viabilidade econômica”, observou a ministra.

O ministério do Meio Ambiente está fazendo uma análise em parceria com o ministério do Desenvolvimento Social em 76 unidades de conservação para saber suas demandas, e discutir uma transformação da Amazônia. O Plano Nacional de Extrativismo busca também melhorar a relação entre os governos estaduais e municipais, e o modelo será baseado na experiência desenvolvida pelos extrativistas na ilha de Marajó, no Pará, que foi a primeira a entregar seus produtos aos programas de comercialização de alimentos (PAA e PNAE) do governo federal. “Precisamos de uma política pública que leve proteção à floresta e qualidade de vida a vocês, o crescimento com inclusão social. Projetos estruturantes e permanentes, valorizar os 3 editais de assistência técnica florestais lançados pelo ICMBio. E sem regularização fundiária não tem proteção da floresta e inclusão social. Temos 2 anos para fazer entregas concretas para os próximos 10 anos”, concluiu.

O ministro do desenvolvimento agrário, Pepe Vargas, reconheceu a importância dos extrativistas para o campo e disse que os atos simbólicos durante a mesa demonstraram um novo tratamento do estado brasileiro, que tem uma dívida histórica com esses povos da floresta. Ele anunciou o lançamento da primeira chamada pública de Assitência Técnica Rural (Ater) para extrativistas no Brasil, que vai atender 14 mil famílias. O propósito, segundo o ministro, é que as pessoas se organizem economicamente para produção e passem a agregar valor ao produto, ao invés de só vender matéria-prima, além de se capacitar para a gestão dos negócios.

“Começa a haver políticas públicas que dirigem seu olhar para essa parcela tão importante, que produz, trabalha, preserva o meio ambiente, seja da floresta ou áreas de marinha. São fundamentais para o densevolvimento social e econômico do país, e não podemos ter políticas de caráter compensatório. Precisamos capacitar essa população para se organizar e acessar políticas, programas como o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos) e o PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar). Temos um enorme potencial ainda não utilizado, colocar, por exemplo, o açaí nos órgãos públicos e escolas para fortalecer nossa produção. Queremos discutir essa integração das políticas para poder avançar, disse Vargas.

Represetando o setor de gênero do CNS, Celia Regina reforçou que nenhuma política acontecerá sem reforma agrária. Para ela as reservas extrativistas marinhas e florestais são fundamentais como espaço de geração de renda e segurança alimentar da população. “Queremos ampliar isso de uma forma justa e responsável, precisamos da tecnologia e economia. O Brasil passa por um momento importante para a infraestrutura do agronegócio, mas precisamos também para ter plenamente o desenvolvimento sustentável”, afirmou.

As pessoas que morreram lutando pela terra em defesa das florestas foram lembradas várias vezes, e a presidente do Memorial Chico Mendes, Mary Allegretti, pediu às autoridades reconhecimento e mecanismos para defesa dessa população. “O governo federal precisa perceber que só nós temos uma base social voltada para a defesa da floresta. O Brasil não reconhece isso, é preciso colocar no centro da amazônia sua população, que chegou do barracão para os seringais e morre pela floresta. O país não pode deixar de considerar esse pattrimônio social, que construiu as políticas. As reservas extrativistas não sairam de nenhum gabinete. Os governos passam e as populações ficam. A juventude das reservas precisa ser valorziada, se não a floresta vai ficar vazia”, ressaltou.

Muitos participantes do congresso fizeram denúncias e reivindicações aos ministros. A regularização das reservas e o apoio técnico, assim como a deficiência de inraestrutura, como falta de energia e água, também foram apontadas. Saúde e educação nas florestas é outra carência recorrente nos relatos dos extrativistas, além da falta de acesso e transporte. Pepe Vargas reconheceu problemas na regulaização fundiária, e disse estar criando mecanismos para desburocratizar o processo. “Temos pedido ao presidente do Incra para acelerar os procedimentos que garantam que as pessoas tenham o seu contrato de concessão de direito de uso. Tem assentamento de 40 anos que ainda não tem. Achamos que as pessoas têm que ter esse titulo, se não fica ausente um conjunto de políticas públicas. Tem que haver mudanças, dar mais espaço para o Incra se dedicar mais às questões da regularização fundiária”, conclui.