Acadêmicos de todo o mundo estão firmando uma carta aberta em defesa da ciência e da equipe do pesquisador francês Gilles-Eric Seralini, que publicou no mês passado os resultados de uma pesquisa que avaliou, em 200 ratos de laboratório, os efeitos de uma dieta contendo milho transgênico NK603, tolerante ao herbicida Roundup, com e sem o herbicida, bem como contendo o herbicida sozinho (ver Boletins 601 e 602).
Na carta, os cientistas resgatam o histórico de ataques e perseguições que, sistematicamente, têm sofrido todos os pesquisadores que desenvolvem experimentos para avaliar a segurança dos transgênicos (e de alguns agrotóxicos) para a saúde e o meio ambiente e tornam públicos resultados considerados inconvenientes para as indústrias de biotecnologia.
Citam o exemplo de Ignacio Chapela, que foi fortemente perseguido no meio acadêmico quando era professor na Universidade de Berkeley, nos EUA, e publicou na revista Nature uma pesquisa demonstrando a contaminação de variedades tradicionais de milho no México (centro de origem da espécie) por transgênicos (Quist e Chapela, 2001).
Mencionam também o caso do bioquímico Arpad Pusztai, que em 1998 foi forçado à aposentadoria pelo Instituto Rowett, um dos mais renomados da Grã-Bretanha, após divulgar efeitos do consumo de batatas transgênicas em ratos de laboratório (Ewen e Pusztai, 1999b). A equipe do pesquisador também foi dissolvida, os documentos e computadores confiscados, e ele foi proibido de falar com a imprensa (em seu livro e documentário “O Mundo Segundo a Monsanto”, a jornalista francesa Marie-Monique Robin descreve com detalhes este e outros casos).
A carta faz referência ainda à perseguição de Andrés Carrasco, Professor de embriologia Molecular na Universidade de Buenos Aires, após a divulgação de pesquisas demonstrando os efeitos do herbicida glifosato (princípio ativo do Roundup) em anfíbios (Paganelli et al., 2010). Carrasco chegou ao extremo de ter sua comitiva espancada durante uma palestra em La Leonesa, na província do Chaco, na Argentina.
Os cientistas também alertam para o fato de que comumente as críticas divulgadas nos meios de comunicação são enganosas ou falsas. Por exemplo, diz a carta, “Tom Sanders, do Kings College, em Londres, foi citado como dizendo: ‘esta cepa de rato é muito propensa a tumores mamários, particularmente quando a ingestão de alimentos não é restrita’ (Hirschler e Kelland, 2012). Mas ele deixou de dizer, ou desconhece, que a maioria dos estudos de alimentação realizados pela indústria, e pela própria Monsanto, usaram [os mesmos] ratos Sprague Dawley (por ex. Hammond et al., 1996, 2004, 2006; MacKenzie et al., 2007). Nestes e em outros estudos da indústria (por ex. Malley et al. 2007), o consumo de ração foi irrestrito.”
Os autores da carta ressaltam que comentários “equivocados” como esse de Sanders costumam ser amplamente difundidos no sentido de desqualificar as pesquisas que evidenciam os riscos dos transgênicos. Veja exemplos nativos no site do CIB.
Os cientistas criticam ainda os protocolos dos experimentos exigidos para a aprovação de transgênicos nos EUA e na Europa, que apresentam pouco ou nenhum potencial para detectar as suas consequências negativas (assim como é o caso da CTNBio no Brasil): “Os transgênicos precisam ser submetidos a poucos experimentos, poucos quesitos são examinados e os testes são conduzidos unicamente pelos requerentes da liberação comercial ou seus agentes. Além do mais, os protocolos normativos atuais são simplistas e baseados em suposições”. Segundo os cientistas, os desenhos experimentais das pesquisas conduzidas pelas empresas de biotecnologia não permitem detectar a maior parte das mudanças na expressão genética dos organismos resultantes do processo de inserção do transgene.
Para os autores da carta, embora os ensaios de alimentação bem conduzidos sejam uma das melhores maneiras para se detectar mudanças não previstas pelo processo de modificação genética, eles não são obrigatórios para a liberação comercial de transgênicos.
De maneira contundente e objetiva, os autores concluem que “quando aqueles com interesse tentam semear dúvida insensata em torno de resultados inconvenientes, ou quando os governos exploram oportunidades políticas escolhendo e colhendo provas científicas, comprometem a confiança dos cidadãos nas instituições e métodos científicos e também colocam seus próprios cidadãos em risco.”
Os autores da Carta Aberta convidam cientistas e acadêmicos a também assiná-la, o que pode ser feito enviando-se um email para [email protected] com o título “Seralini letter”.
A íntegra da Carta Aberta está disponível em inglês na página eletrônica do Independent Science News.
A versão traduzida por Paulo Ramos para o português está disponível em nosso blog Em Pratos Limpos.
(*) Fonte: Boletim 603 da Campanha Brasil Ecológico, Livre de Transgênicos e Agrotóxicos.