Por Eduardo Sá,
Na última quarta-feira (19) movimentos sociais e organizações da sociedade civil integrantes da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), se reuniram, no Palácio do Planalto, em Brasília, com o Ministro da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, e o Ministro do Desenvolvimento Agrário, Pepe Vargas, para discutir os encaminhamentos da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO). O decreto 7.794 foi sancionado no dia 21 de agosto pela presidenta Dilma Rousseff, e agora será instituída uma Comissão Nacional com 28 representantes (14 do governo e 14 da sociedade civil) que irá elaborar propostas para o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, que deve ser elaborado até o final de fevereiro de 2013.
De acordo com Gilberto Carvalho, o governo quer valorizar a participação dos movimentos sociais no processo de construção da PNAPO e a Comissão Nacional, de composição paritária, será muito importante daqui para frente. Ele destacou ainda que outros espaços, como o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), têm contribuído de maneira crítica e autônoma nos últimos 9 anos.
“Grandes e importantes propostas que nós conseguimos forjar e pôr em andamento devemos exatamente à participação da sociedade, sobretudo quando conseguimos organizar os canais adequados. Agora a Secretaria Geral será referência na coordenação inicial desse processo, junto com o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA)”, afirmou.
Na visão de Pepe Vargas, Ministro do Desenvolvimento Agrário, com a publicação do decreto uma etapa foi vencida estipulando questões essenciais dessa política, como conceitos, critérios, instrumentos e a Comissão Nacional, que garante a participação social. É preciso agora instituir uma câmara interministerial, sob coordenação do MDA. Ele apontou avanços no decreto, como o capítulo que trata das sementes crioulas.
“No que diz respeito ao MDA, não vemos razão de interrompermos alguns programas, como as chamadas de Ater (Assistência Técnica e Extensão Rural). Devemos até outubro lançar as chamadas públicas de Ater para agroecologia, e a partir desse ano colocar um eixo da sustentabilidade nas chamadas de Ater em geral”, afirmou.
Cerca de 20 pessoas de movimentos sociais do campo participaram da reunião. Segundo Eugênio Ferrari, do núcleo executivo da ANA, os movimentos que participaram dessa construção sempre tiveram clareza que a conjuntura não era favorável, pois a tendência do governo é o fortalecimento do modelo agrícola hegemônico, o agronegócio. No entanto, enfatizou que é importante reforçar algumas políticas que têm contribuído para o avanço da perspectiva agroecológica, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), e que a política de agroecologia deve consolidar e ampliar esses mecanismos.
“Temos clareza que uma política de agroecologia deve ser voltada para o conjunto da agricultura familiar e dos povos e comunidades tradicionais. Com essa estratégia, construímos na ANA propostas de ações prioritárias e medidas. Assim participamos até o final de maio, mas quando o decreto foi lançado ficamos surpresos porque o processo de diálogo foi interrompido. Ficamos surpresos e insatisfeitos com a ausência da referência à função social da terra, que é o elemento fundamental e base física da agroecologia, assim como a ausência da questão da promoção universal à água, reafirmada como um bem de domínio público. A proposta de participação social também ficou restringida em relação à proposta formulada entre o governo e a sociedade civil”, criticou.
Na avaliação dos movimentos, a questão das sementes materializa um avanço nesse diálogo, mas é preciso retomar a agenda das questões prioritárias para atingir avanços substanciais na agroecologia. Outra reivindicação é que a comissão paritária para a construção do Plano Nacional tenha caráter eminentemente político, com subcomissões técnicas. Romeu Leite, presidente da Câmara Temática Nacional de Agricultura Orgânica, reforçou que não saiu o decreto que as organizações esperavam, mas as discussões serão retomadas também através Câmara Temática, que se dividiu em três grupos (econômico, tecnológico e mercados). “Nós acreditamos que os participantes da comissão nacional têm que ser os que estão envolvidos nessa história”, ressaltou Leite.
As organizações ficaram surpresas com o lançamento do decreto durante o Encontro Unitário dos Trabalhadores, Trabalhadoras e Povos do Campo, das Águas e das Florestas, realizado em Brasília em agosto. De acordo com Rosângela Cordeiro, do Movimento das Mulheres Camponesas (MMC), foi realizada uma atividade de agroecologia durante o encontro, com mais de 30 organizações presentes.
“Foi entregue uma moção feita nesse encontro, estamos com muita preocupação porque esse tema é muito caro para nossa vida camponesa, autonomia, soberania alimentar, e é fundamental que pontos como terra e território estejam fortemente presentes numa política de agroecologia. Estamos dispostos a ajudar, porém é preciso ter uma sensibilidade maior. Ao invés de nicho de mercado, tem que ser de enfrentamento ao capital em defesa dos nossos bens comuns. Para uma agricultura que sustenta esse país, produz 70% da comida, que é a agricultura camponesa. Mas há opções muito claras no governo para o agronegócio”, disse.
“Tem que estimular as feiras, porque no meio rural tudo está sendo feito por grandes empresas e os grandes supermercados compram da Ceasa. As feiras livres começam a perder espaço, é preciso estimulá-las. É preciso rever a política de crédito”, observou Francisco dal Chiavon, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
De acordo com Denis Monteiro, secretário executivo da ANA, duas questões foram destacadas nas propostas formuladas e apresentadas ao governo, que devem estar na agenda de trabalho da comissão nacional: é necessária a construção de um plano nacional de sementes crioulas que consiga acabar com a erosão genética e reduza os transgênicos, além de um plano nacional de redução dos agrotóxicos. “Não é possível que a situação continue do jeito que está, somos os maiores consumidores de agrotóxicos do mundo. Então, essa política tem que ter isso na sua agenda de trabalho. Porque a situação é contraditória com a proposta da política de agroecologia, é preciso avançar muito na questão de políticas públicas que promovam uma agricultura sem venenos e na vigilância das grandes empresas”, propôs.
Presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) e também integrante da ANA, Maria Emília Pacheco observou que não há soberania alimentar e nutricional sem a garantia da terra. Segundo ela, é preciso ousadia por parte do governo, pois desde 1988 não temos um marco que garanta os territórios dos povos e comunidades tradicionais.
“Nao é só ampliar as unidades de conservação, as reservas extrativistas, que é um avanço e podemos dar exemplos, mas também realizar desapropriações para a reforma agrária. A terra é um tema atual. E concordamos no Consea que é fundamental no Brasil um plano de redução de agrotóxicos. A questão das feiras, por sua vez, é preciso gerar uma descentralização do abastecimento, considerar as feiras, sobretudo agroecológicas, como equipamentos de segurança alimentar. Por fim, necessitamos de programas para o reconhecimento do papel das mulheres na liderança de processos agroecológicos”, analisou.
Pontos de vista do governo
Há um entendimento que o arcabouço jurídico formal brasileiro recepciona boa parte das propostas dos movimentos da sociedade civil, mas não elimina a disputa política e a correlação de forças dentro do governo, como no congresso e no judiciário, para essa construção, observou o Ministro do Desenvolvimento Agrário. Segundo ele, é possível seguir em frente com o que foi construído até agora, com seus avanços e insuficiências.
“Precisávamos quantificar os conjuntos de políticas públicas que foram constituídas nos últimos anos para agricultura familiar e camponesa, pois nenhum governo fez isso. Temos que debater isso com os movimentos, para analisar o tamanho da prioridade que se dá ou não. Eu acho que não é só um problema do governo, a gente procura um modelo mas também tem que disputar entre os próprios produtores. Tem uma parcela dentro da produção familiar que não é agroecológica, precisamos conquistá-la. Com uma política nacional podemos ganhar mais gente, se não o modelo da revolução verde vai continuar hegemônico”, concluiu Vargas.
Gilberto Carvalho, por sua vez, destacou que é importante uma relação tensa com o governo, se não seria falsa, e a intenção é pressionar dentro da máquina pública para obter avanços.
“Tem, por exemplo, insumos orgânicos para o grande latifúndio. Não veremos isso como um nicho de mercado da classe média, precisamos de fato fazer um processo de grande alteração. Mas o problema também está dado na sociedade. Então temos que lutar contra o uso intensivo de agrotóxico, a contaminação da água. Não há tema interditado entre nós, o decreto não sinaliza a falta de profundidade, na prática vamos discutir isso. O importante é uma visão nossa de ambição, pensar grande, ocupar espaços dentro do governo e, sobretudo, na sociedade. Temos dificuldades dentro do governo para aprovar os insumos orgânicos, enquanto os químicos são aprovados com muita força e lobby. É uma batalha, e precisamos estar juntos”, finalizou.