Biodiversidade e Bioética foram os temas abordados no Congresso de Direito ao Patrimônio Genético, realizado no auditório da Ordem dos Advogados Brasileiros (OAB), centro do Rio, na última sexta-feira (31). A atividade contou com a participação de especialistas de diversas áreas, desde o direito à cultura e preservação ambiental ao patenteamento de espécies. Aproximadamente 150 pessoas participaram do evento.
Para contextualizar as legislações ambientais, Rogério Rocco, ex-superintendente do IBAMA no Rio, ressaltou que os elementos do direito sobre esse tema servem como fundamento para as políticas públicas e devem ser norteados pelo princípio da precaução e prevenção. O desenvolvimento sustentável, segundo ele, é um compromisso ético com as atuais e futuras gerações.
No Brasil a lei 6938, de 1981, institui a Política Nacional de Meio Ambiente, e tem a prevenção, relacionada às tecnologias e ações para reduzir e evitar resultados negativos, como um dos seus principais objetivos. Com a velocidade da evolução tecnológica, a prevenção deve ser garantida mesmo na ausência de certeza científica, conforme foi discutido na Rio 92, pois a reparação na natureza muitas vezes é inviável, defende Rocco.
A opinião do ambientalista em relação aos transgênicos, é que a expansão da alteração genética de produção de alimentos no Brasil, especialmente a soja, que entrou pelo sul contrabandeada pela Argentina, vem crescendo na virada desse século. O maior retrocesso foi em 2003, quando uma medida provisória do governo Lula, recém eleito com Marina Silva em seu ministério, regularizou a safra de soja transgênica.
“Em 2004 e 2005 vêm mais medidas provisórias, e a lei 11.105 institui a Política Nacional de Biossegurança, que só é aplicada com o aval da CTNBio. Esse é o primeiro grande retrocesso na legislação ambiental, porque aboliu o licenciamento ambiental para essas atividades. Hoje nenhum dos alimentos autorizados (soja, milho, algodão e feijão) foram submetidos a licenciamento ambiental”, afirmou Rocco.
Na página do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento consta uma relação de espécies dos alimentos autorizados para transgenia, e o feijão, que só tem uma variedade, é a única com a patente da Embrapa. “Todos atendem a exportação de alimentação animal e ao biocombustível, e são baseados em sistemas de monocultura para países que proibiram essas espécies em seus territórios. As nações ricas fazem a gente de quintal para seus interesses baseados em produção suja, que não agrega valor ao que a gente exporta”, concluiu Rocco.
O Censo Agropecuário de 2006, realizado pelo IBGE, aponta que 24 milhões de hectares do território brasileiro servem para o plantio de soja, e 5% dos produtores têm 60% dessa área, sendo que mais da metade de toda essa produção já é transgênica. “Os agricultores ficam atrelados a quem produz a semente, que vem sem o poder da germinação. Eles ficam endividados, esse é o lado perverso do capitalismo”, afirma Consuelo Yoshida, Desembargadora Federal do TRF e doutora em direitos difusos e coletivos pela PUC-SP.
Para Gabriel Fernandes, engenheiro agrônomo da AS-PTA, é urgente retomar a discussão sobre a associação do licenciamento ambiental e a liberação dos transgênicos, pois atualmente o ritmo é tão celerado que as regularizações são praticamente automáticas. Ele apresentou algumas fotos de monoculturas no mundo, como as tulipas na Holanda que utilizam elevada quantidade de água e agrotóxicos no plantio, antes de revelar os dados da FAO sobre erosão genética: a alimentação ao longo da história da humanidade foi sendo padronizada, e se antes havia 7 mil espécies cultivadas e domesticadas hoje são 120 de forma sistemática, sendo que 90% da alimentação são de 12 espécies.
Os transgênicos são liberados sem avaliação de risco pela CTNBio, que liberou o controle de pós comercialização com a pressão das indústrias. O órgão fez uma mudança interna em 2011 que, dependendo de seu parecer técnico, pode dispensar as empresas do monitoramento dos efeitos dos transgênicos colocados no mercado. Para facilitar as liberações, o quórum para aprovação comercial passou de 18 para 14 votos em 2007. Além de não ter estudo de impacto ambiental, as avaliações levam em conta dados que as próprias empresas interessadas produzem.
Esse cenário, Gabriel Fernandes, gera forte dependência química pois exige cada vez mais substâncias por causa das resistências criadas pelas pragas. A promessa de acabar com essa corrida por novos produtos e um padrão menos agressivo de agricultura se tornou um círculo vicioso, que demanda uma renovação incessante de insumos químicos.
Transição Agroecológica
Na resistência a esse modelo hegemônico de produção, milhares de pequenos agricultores têm realizado experiências agroecológicas em todo o país. Estudos da AS-PTA no agreste da Paraíba mostram que a diversificação da produção agrícola tem sido uma fonte de receita para os camponeses. Os bancos de sementes crioulas comunitários, por exemplo, são um mecanismo de defesa para as suas plantações.
“Mantém boa parte das sementes e mudas da biodiversidade local, combatendo a monocultura e a devastação que reduz a nossa dieta alimentar. Identificamos e resgatamos essas espécies, promovendo a troca dessas experiências e assessoria técnica. Quando eles entram na especialização produtiva sua renda fica mais dependente e exposta a qualquer eventual problema”, observou Fernandes.
De acordo com o último Censo Agropecuário do IBGE, são 4,5 milhões de famílias, representando 84% dos agricultores, mas cultivando apenas 24% da área cultivada. O debate da reforma agrária, que está longe da pauta do governo, se faz necessário.
“A propaganda da indústria diz alimentos mais nutritivos, resistentes, dentre outros benefícios da transgenia, mas isto está longe da realidade. Temos comprovado na prática a eficiência do modelo de agricultura familiar, sustentado na produção agroecológica e na diversidade alimentar”, concluiu Fernandes.
Manipulação da mídia
De acordo com Ronaldo Coutinho, da Comissão de Direito Ambiental da OAB-RJ, a cidadania está diretamente ligada ao direito à informação, que é manipulada e deformada pelos meios de comunicação. “A opinião pública é deformada, atuam em função da ordem capitalista e não pública. Há uma descaracterização da realidade, os piores subsídios vêm da publicidade privada. O direito à informação é fundamental para a democracia e o pluralismo. Os meios são pagos pelos grandes empreendedores, é um instrumento de controle social do poder e participação popular”, criticou.
Coutinho deu como exemplo dois grandes empreendimentos no Rio: o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) e a companhia siderúrgica TKCSA, que apresentam diversas violações ambientais. No segundo caso, relatou, há renúncias fiscais e facilidades do Estado, apesar de prejudicar 7 mil pescadores da região e a empresa estar processando dois pesquisadores por causa de um laudo técnico que comprova danos à saúde da população.
A manipulação da informação também é questionada por Gabriel Fernandes: “A soja transgênica, por exemplo, é uma tecnologia que favorece o plantio em grande escala e seu crescimento vertiginoso no Brasil é altamente demandante de terra e estreitamente relacionado ao agrotóxico. A área de soja cresce e o consumo de agrotóxico também, ao contrário do que diz sua propaganda. Quando o Brasil passou a cultivar transgênicos se tornou o maior consumidor de venenos do mundo”, denunciou.
Foto: Francisco Teixeira/OAB-RJ.