A 1ª Conferência Nacional sobre Assistência Técnica e Extensão na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária (CNATER) ocorre desde a próxima segunda-feira (23) até quinta (26), em Brasília, num momento de intensas discussões e debates na sociedade civil e no governo acerca do papel da Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) à agricultura familiar. O debate é fruto da lei de Ater, de janeiro de 2010, que institucionaliza a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Pnater). As organizações da sociedade civil criticam o formato e os critérios adotados pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) para definição das pautas que serão discutidas, além de questionarem o motivo de muitas propostas nas conferências estaduais terem sido descartadas do debate.

Essa é a continuação de um processo que se inicia em 2003, com a Conferência de Ater, que contou com forte participação da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e criou a Política Nacional de Assistência Técnica de Extensão Rural (Pnater). Essa política consagrou a agroecologia como enfoque a ser adotado pela política de extensão rural. Nesse período alguns projetos e um conjunto de ações importantes de ATER desenvolvidos pelas organizações da ANA foram apoiados por recursos públicos, mas depois esses apoios foram sendo retirados por causa da imensa burocracia administrativa. Esse é o contexto de nascimento da Lei de Ater, que apresentada ao Congresso pelo MDA sem negociação com as organizações da sociedade civil. Estas conseguiram inserir apenas quatro propostas de emenda, principalmente inserindo a agroecologia e propostas de controle e participação social, que haviam sido descartadas pelo governo.

Após a regulamentação da lei, a Conferência ficou marcada para março de 2011, mas no processo de preparação entrou o governo Dilma e a conferência acabou não ocorrendo. O Comitê de Ater do Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (Condraf) ficou responsável pela organização da Conferência, e havia um grupo para elaborar o documento base que regeria a atividade. O assunto morreu e a atividade foi remarcada, com um documento elaborado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), sem as propostas referendadas pelos movimentos nas Conferências estaduais e municipais.

“O documento evadia todas as questões mais polêmicas em relação à política de Ater. Fundamentalmente no que diz respeito ao formato das chamadas para os projetos de assistência técnica. O problema principal é que elas pré determinam quais serão as atividades de cada projeto, quantos agricultores por atividade e quanto tempo dura. Você enquanto executor de um projeto praticamente não tem nada a dizer, só precisa fazer o que está escrito na chamada. Tudo está praticamente definido, com uma imensa sobrecarga de atividades e enorme peso de assistência técnica individual”, afirma Jean Marc, coordenador de Políticas Públicas da AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia e membro da ANA, que estará numa das mesas da Conferência.

 

Outros problemas são apontados, como projetos de dimensões muito grandes, o que dificulta às organizações responderem a essas demandas. A diretora executiva da Central Nacional das Cooperativas de Assistência Técnica e Extensão Rural, Generosa Oliveira, destacou as chamadas para a Bahia, que são grandes editais e as entidades não conseguem elaborar um projeto para atendar à chamada porque não têm estrutura. Segundo ela, como o MDA não têm fiscal suficiente publica um único edital e acaba tornando o processo inexequível tanto para o governo quanto para as organizações.

“A nível nacional várias cooperativas ganharam a chamada, mas o projeto não tem técnico do MDA para acompanhar. Você faz o trabalho, mas não recebe o ateste do MDA. Está quebrando nossas cooperativas. Existem muitos problemas para executar as chamadas”, afirmou Generosa.

As metodologias das chamadas inviabilizaram todas as metodologias participativas do desenvolvimento agroecológico. Negou, inclusive, em termos de financiamento, a participação de organizações de agricultores. Só recebem as organizações de Ater, excluindo o restante, como o os agricultores que prestam assessoria do decorrer do processo e multiplicam o conhecimento. Para os movimentos, o foco da Conferência é justamente discutir as chamadas e as questões operacionais das políticas de Ater, mas o governo está tentando evitar uma avaliação crítica da política.

A ANA elaborou um conjunto de propostas de emendas, amplamente aprovadas nas conferências estaduais, que foram barradas. O Departamento de Assistência Técnica de Extensão Rural (Dater), do MDA, na fase final de preparação da Conferência, não consultou ninguém sobre o formato das atividades e ignorou que o Condraf era o seu organizador.

Uma das propostas das organizações é a modificação na lei, de modo a permitir que os contratos adiantem uma parte dos recursos para as organizações investirem na execução dos projetos. Além disso, as organizações sociais reivindicam menos interferência do governo na metodologia de execução da política, que geralmente não condiz com a realidade local das comunidades.

“Parece que o governo usou mais uma vez seu poder discricionário para controlar o fluxo de informação e “passar o rodo” nas propostas que não interessavam a eles. Com a forma que propomos o governo, inclusive, tem mais capacidade de avaliar e diferenciar as qualidades de propostas dos concorrentes. Estamos democratizando e tornando mais transparente o processo. Acho que se essa política de Ater continuar como está vai matar as organizações da sociedade civil. E quem sobreviver vai se transformar em outra coisa, agroecologia que não vai fazer”, observou Jean Marc.

Generosa Oliveira exemplificou alguns problemas com os trabalhos da cooperativa Cedro, que tem projetos de Ater. Eles estão com muitos problemas na execução, porque as chamadas estão fora da realidade e contexto locais. Dos 60 empreendimentos da agricultura familiar para receber o diagnóstico, apenas 11 tinham Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAF), que são exigidas para a realização. A cooperativa conseguiu chegar a 17 com DAP, mas afirma que a meta, o trabalho e o compromisso com os técnicos ficaram comprometidos.

 

O exemplo no Maranhão

Agricultores familiares da região do Munin, no Maranhão, são assessorados por técnicos de organizações da sociedade civil desde a década de 90. Eles estabeleceram um convênio com o INCRA para Assistência Técnica para reforma agrária em 1997. A ONG Tijupá teve projeto aprovado em uma chamada em dezembro de 2010 e até hoje não a executou porque o Ministério do Desenvolvimento (MDA) está com dificuldades nos contratos.

Fabio Pacheco, coordenador de agroecologia e assistência técnica da Tijupá, explica que eles atendem posseiros da agricultura familiar que moram no local há séculos. Fazem a capacitação na produção, gestão e comercialização. Ele lamenta ter criado expectativas nos camponeses e até agora não ter acontecido nada, o que desmobiliza as articulações. Pacheco diz que enfrenta muitos obstáculos para fazer os projetos agroecológicos com os bancos e o governo, mas nunca teve problemas com os agricultores.  

“Na nossa região as pessoas têm uma agricultura bem tradicional, sem venenos, poucas ferramentas. São áreas coletivas, tudo isso potencializou mais o trabalho com a agroecologia. Não tem amarras, você vai construindo o processo com a realidade deles. São extrativistas, pescadores, artesãos, etc; Eles têm mais segurança pela terra agora, mas o INCRA entrou com regras deixando de trabalhar coletivamente. Cobram, por exemplo, que a gente trabalhe só com quem está cadastrado, cerca de 200 das 1200 famílias”, afirmou.

Pacheco deu esse exemplo porque os trabalhos são realizados em processos coletivos de capacitação continuada, que ficam inviáveis dentro dos padrões das chamadas. São atendidas cerca de 800 famílias nos assentamentos sustentáveis, mas tem centenas no entorno, gerando a desmobilização dos agricultores.

Nesse cenário, as organizações da sociedade civil e os movimentos sociais do campo tem o grande desafio de, nesta conferência, propor uma Política de ATER que realmente atenda aos interesses do conjunto da agricultura familiar brasileira.