Apesar de o Amazonas ser um estado com vasto território rural, sua produção é principalmente industrial na zona franca de Manaus. Extensionista rural do Instituto de Desenvolvimento Agropecuário do Amazonas, João Bosco Gordiano, explica as dificuldades que os agricultores locais enfrentam por causa das questões ambientais e territoriais na região.
Segundo ele, com a venda dos créditos de carbono como compensação ambiental, os REDDs, grileiros de outros estados estão dominando os territórios dos povos amazonenses. Gordiano faz parte da direção do Fórum Amazonense de Agroecologia, e explica as barreiras à agroecologia na região.
Quando a perspesctiva agroecológica passou a ser discutida no Amazonas?
Os agricultores agroecológicos do Amazonas estão trabalhando com esse enfoque desde 2004, baseados em alguns princípios: soberania alimentar, mesa farta, preservação e conservação através do princípio doce mel, onde todos os agricultores criam abelha com intuito de preservar o meio ambiente. Porque quem cria abelha não pode tocar fogo, desmatar, usar agrotóxico, pois como ela é um inseto se um desses fatores acontecer mata as abelhas. Essa é uma estratégia. Esses são os benefícios diretos, e os indiretos vêm com o aumento da produção através da polinização e da venda dos subprodutos que ela pode produzir, como o mel, própolis, extratos, etc.
Temos agora uma peleja muito grande, devido à questão do agronegócio e, principalmente, por causa da venda do carbono, do REDD (Redução da Emissão por Desmatamento e Degradação), com o carvão que já é uma situação muito complicada. Porque os agricultores estão sendo pressionados, inclusive, a sair dessas áreas porque depois de tanto tempo apareceram os donos. Pessoas da região sudeste estão mandando advogados para a Amazônia para reivindicar os territórios. Na década de 70/80 o governo militar havia passado o documento para essas pessoas, que nunca pisaram na Amazônia. Estão querendo tomar essas áreas para venda de carbono no mercado internacional. Recentemente tivemos um problema, um juiz de Presidente Figueiredo, município que fica a 10km de Manaus, expediu uma liminar a favor desses empresários para expulsar os agricultores que estão nessas áreas há mais de 20 anos. E os agricultores têm documentação oficial do INCRA de posse dessas terras. Então é uma atitude arbitrária, que colocou em xeque a segurança alimentar e habitacional desse povo.
Como é esse Fórum de organizações na Amazônia?
Em 2009 fizemos uma reunião com as pessoas que trabalham com agroecologia no estado do Amazonas, e conseguimos contabilizar uma faixa de 40 instituições que trabalham com pesquisa, ensino de extensão e com o incentivo de ONG’s, principalmente as que trabalham com a questão ambiental. Depois desse encontro foi instituído o Fórum Amazonense de Agroecologia, que nós fazemos parte da coordenação. Temos reuniões mensais pautadas principalmente nas questões da Amazônia. Hoje existe um esforço muito grande para a gente trazer o I Encontro Amazônico de Agrocologia e levar, quem sabe, o Congresso Brasileiro de Agroecologia para o nosso estado.
Vocês participam em outros estados, mas estão reivindicando encontros lá?
Exatamente. A questão de custo não pode ser um empecilho para a não realização dessas atividades. É preciso somar esforços e uma estratégia de passagens aéreas, conversar com as empresas para o apoio e viabilização do evento. O próximo Congresso Brasileiro de Agroecologia não está definido se vai ser no sul ou no nordeste de novo, mas queremos apresentar uma proposta de que o próximo seja realizado no Amazonas, ou nos estados da região norte.
Para quem não entende, a Amazônia é uma mata nativa meio intocada que produz um monte de coisa naturalmente, ou grandes latifúndios com agropecuária e exploração de madeira. Como a agroecologia se encaixa nesse cenário?
A Amazônia em si, apesar de estar num bioma, tem muitas especificidades de um estado para outro. No Amazonas, por exemplo, os dados oficiais dizem que apenas 4% do estado foi devastado. Mas isso é uma preocupação, porque há 3 anos os mesmos dados apontavam apenas 2%. Ou seja, dobrou 100% a área desmatada no Estado. Como os outros estados não têm o incentivo fiscal que o Amazonas tem através da zona franca de Manaus, onde está o pólo industrial do Brasil mais forte, então as grandes empresas, fábricas, multinacionais, querem ele e é complicadíssima a questão da agricultura. E ao mesmo tempo tem a oportunidade de fazer um trabalho excelente em agroecologia, porque 90% da produção do estado são naturais. Ou seja, não tem contaminantes, como o agrotóxico e adubos químicos. Só que o Amazonas é industrial, por isso tem sua área preservada ambientalmente, sua floresta está intacta. O grande desafio é transformarmos essa floresta em resultados econômicos para a população tradicional que vive nela. Porque até hoje não tem uma linha específica para o estabelecimento das fibras, produção de sementes, essências, os óleos, a medicina da floresta. Os órgãos não têm direcionamento para a exploração dos produtos orgânicos.
Você diz reconhecer, porque na prática já existem há muito tempo, não?
Já existem, mas temos que trabalhar uma perspectiva de produção em escala. Todo mundo sabe, por exemplo, que o pólo industrial de Manaus vive ameaçado porque São Paulo quer sempre levar sua logística. Mas qual vai ser a alternativa para o estado depois? Derrubar floresta para fazer pecuária, ou plantar soja? Então temos o risco dessa floresta ir para o barco. Ultimamente houve uma perda muito grande para zona franca, porque as fábricas de tablets seriam no Amazonas. Mas a presidente fez uma lei que outros estados do Brasil também poderiam implantar essas fábricas. Era um segmento para estar na zona franca de Manaus e saiu, e a mesma coisa a lei de informática que querem tirar todos esses bens do Amazonas. Então, a possibilidade de atingir a zona franca está a todo momento, e os governos não se preocupam em ter outras alternativa de renda. Porque 80% da alimentação do Amazonas são importadas de outros estados. Ele não produz, apesar de ter uma grande dimensão territorial. Falta tecnologia, uma assistência mais voltada para o homem do campo. E esperamos que esse plano nacional de agroecologia possa dar um direcionamento para tudo isso ocorrer.
Qual é o principal desafio para a produção agroecológica em grande escala na região?
Acreditamos que ela não vai ocorrer na Amazônia, tanto é que no Programa de Aceleramento do Crescimento (PAC) o estado ficou de fora na implantação de plantas produtoras de agrocombustíveis. O nosso grande medo é a agropecuarização que está ocorrendo, houve um desmatamento que dobrou devido às madeireiras e a pecuária no sul de Amazonas. Pessoas de outros estados, os sulistas principalmente, estão fazendo esta devastação. Não são os caboclos, os índios, as pessoas que vivem no estado, e sim a migração.
Quando se trata de meio ambiente, tem muito a visão de não tocar na floresta. Como vocês lidam com isso?
O estado hoje tem uma série de mosaicos para proteger. Estão criando muita reserva a toque de caixa, só que não têm dado uma segurança para as pessoas que estão dentro dessas áreas sobreviver e produzir sua própria alimentação. Tem comunidades que as pessoas não podem pescar, não podem tirar uma madeira para fazer sua própria casa. Em troca disso os caras recebem uma bolsa miséria de R$ 50,00, que muitas vezes para pegar esse dinheiro no banco gasta quase tudo em combustível. Existe hoje um grande monopólio de terras lá, tem empresas grandes, como a Jayoro, em Presidente Figueiredo, que tem alta produção, mas não é para o álcool. É para vender açúcar e cana a uma fábrica da Coca Cola. Uma alternativa que se pode produzir em grande escala para exportação são os alimentos amazônicos, como o guaraná, o açaí, a castanha. O problema é que esses produtos saem como matéria prima, sem agregação de valor. No Rio de Janeiro você vai comer esses produtos, mas não são processados no Amazonas.
Tem algo que você queira destacar que não foi abordado?
O apoio da ANA na defesa dos agricultores no Amazonas, que estão envolvidos na questão das terras tomadas por esses grileiros que vieram de fora. Em Presidente Figueiredo, por exemplo, os agricultores estão sendo processados pela própria justiça que devia protegê-los. O seu Egydio Schwade está sendo processado pelo juiz, porque defendeu uma liminar que ele emitiu em favor desses empresários do sul e sudeste. No site da Casa da Cultura Urubui tem mais informações sobre essas coisas: http://urubui.blogspot.com.br/