O seminário “Privatização da Biodiversidade e Violação de Direitos: transgênicos e propriedade intelectual” reuniu cerca de 160 pessoas em dois dias de debate durante o Fórum Social Mundial, realizado na cidade de Belém (PA).

 

Organizada por entidades ligadas à Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), a atividade aconteceu nos dias 28 e 29 de janeiro. Na abertura, Gabriel Fernandes, da Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA), enfatizou a necessidade de monitoramento, por parte da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), das pesquisas públicas sobre temas de biossegurança e biotecnologia, sobretudo daquelas financiadas com recursos privados. “Na CTNBio, os pesquisadores de universidades e órgãos públicos favoráveis às liberações de transgênicos geralmente possuem projetos financiados pelas empresas que têm interesses nestas liberações”, apontou.  Fernandes também enfatizou que o acesso público aos documentos fornecidos pelas empresas nos processos de liberação das espécies transgênicas foi possível graças à pressão da sociedade civil, que recorreu às vias judiciais para que isso ocorresse.

O primeiro expositor do seminário foi Vinod Bhatt, integrante da Fundação Vandana Shiva e do movimento Jaiv Panchayat, que mobiliza agricultores na Índia em defesa da biodiversidade e da soberania das comunidades sobre seus recursos naturais.  Bhatt falou sobre o funcionamento e a experiência do movimento Jaiv na luta para proteger a biodiversidade da agricultura familiar em várias regiões da Índia, ameaçadas pelas ações de biopirataria das grandes multinacionais de alimentos e biotecnologia. “Os agricultores são os verdadeiros guardiões da biodiversidade e ninguém pode lhes tirar esse direito. Denunciamos à Comissão de Direitos Humanos da ONU as grandes corporações que destroem a biodiversidade da Índia e esta, analisando nosso relatório, considerou que as contaminações de transgênicos são violações de direitos humanos”, disse o ativista indiano, que conclamou os participantes do seminário a se unirem às lutas globais para salvar o planeta.

Outra convidada internacional do primeiro dia do seminário foi Silvia Ribeiro, do ETC Group (www.etcgroup.org), entidade baseada no México, Canadá e EUA que monitora o setor que ela chama de “indústrias da vida” – agricultura, fármacos, alimentação e outras. Silvia alertou para o perigo que representa a concentração cada vez maior nos vários setores do mercado agrícola. “Hoje, 82% das sementes comerciais estão registradas sob algum instrumento legal de propriedade intelectual. E dois terços destas pertencem a seis empresas. O mesmo ocorre com os agrotóxicos. As empresas de agrotóxicos compraram as empresas de sementes e são estas mesmas que controlam os transgênicos no mundo. Estas multinacionais têm todo o interesse em acabar com as sementes que não são propriedade delas, pois daí tudo vira parte do negócio”, criticou.

O engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo fez uma análise da atuação da CTNBio, na qual é representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). “As decisões da Comissão mostram a presença de dois grupos bem distintos, onde o grupo majoritário tende a privilegiar uma perspectiva que aposta no avanço tecnológico e na solução técnica para eventuais problemas, em detrimento de outras perspectivas. Os impactos ambientais dos agroquímicos utilizados no pacote tecnológico associado a determinado OGM, por exemplo, tendem a ser desprezados nas decisões de liberação daquele produto. A minoria se comporta de forma mais ajustada aos compromissos assumidos pelo Brasil, com relação ao Protocolo de Cartagena, à Convenção de Biodiversidade e ao Princípio da Precaução, mas esta posição é sistematicamente derrotada”, opinou.  Ainda no primeiro dia do seminário, Rubens Nodari, geneticista e professor titular da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), abordou o debate acerca coexistência entre cultivos transgênicos e convencionais.

Ameaças à biodiversidade – O segundo dia do seminário foi voltado à discussão sobre episódios concretos de ameaça à biodiversidade no Brasil.  Camila Moreno, pesquisadora associada da organização Terra de Direitos, falou sobre a importância econômica e cultural do pampa gaúcho e as conseqüências da destruição desse bioma em razão do avanço predatório das monoculturas na porção sul do Rio Grande do Sul.

Álvaro Carrara, do Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas, expôs aos presentes as características e a situação atual do cerrado, também fortemente ameaçado devido à expansão desenfreada da soja e de outras lavouras do agronegócio.  Marijane Lisboa, Relatora Nacional para o Direito Humano ao Meio Ambiente, fez uma síntese das discussões do primeiro dia do seminário e abordou alguns aspectos da conjuntura atual dos debates sobre biossegurança e biotecnologias.

A pesquisadora do ETC Group Veronica Villa descreveu o emblemático caso da contaminação do milho no México, que teve início no começo desta década, quando milhares de agricultores tiveram suas lavouras convencionais contaminadas por transgênicos. O México é considerado o país com a maior diversidade deste cultivo no mundo, agora ameaçada. Segundo ela, camponeses e organizações estão lutando para conter o aumento dos prejuízos ambientais, econômicos e sociais.

 

Nead divulga publicações e comunidade virtual – Na última seção do seminário, Gilles Ferment, consultor do Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural do MDA (Nead), apresentou um estudo de caso sobre a contaminação da soja convencional pela transgênica, no Rio Grande do Sul. O pesquisador ressaltou que, segundo estimativas extra-oficiais, 95% das culturas de soja naquele estado se tornaram transgênicas no período de apenas dez anos. “Nesse contexto, fica cada vez mais difícil para os agricultores de soja convencional trocarem sementes com vizinhos, protegerem-se da contaminação das lavouras transgênicas e encontrar cooperativas que adotam medidas de separação dos dois tipos de soja”, destaca.

“Esta transformação feita tão rapidamente ocorreu sem a aplicação do princípio de precaução, ignorando os riscos e as incertezas que cercam a soja geneticamente modificada”, alerta Ferment, na obra que serviu de base à sua exposição: “Sojas convencionais e Transgênicas no Planalto do Rio Grande do Sul”. O texto será publicado como parte da Série Nead Estudos.  Além desse estudo, o pesquisador do Nead também apresentou aos participantes do seminário a pesquisa “Coexistência: o caso do milho”, que em breve será lançada na Série Nead Debate, e o livro “Biossegurança e princípio da precaução: o caso da França e União Européia”.

Outro lançamento do Nead no FSM 2009 foi a Rede Virtual de Biossegurança, comunidade integrante do Portal da Cidadania (http://comunidades.mda.gov.br). A rede é voltada a promover o intercâmbio de informação e conhecimento entre especialistas e interessados na temática Biossegurança e Segurança Alimentar e Nutricional. No espaço estão disponíveis, para consulta e debate, informações científicas e técnicas, resultados de pesquisas e de análises críticas relevantes sobre o tema. Também podem ser acessadas ferramentas de comunicação e interação via Internet, como webconferências, blogs, fóruns de discussão, entre outras. Para se cadastrar na Rede, basta enviar um e-mail para: [email protected]

 

Mais informações sobre o seminário e a campanha “Por um Brasil Livre de Transgênicos”: www.aspta.org.br

 

Fonte: Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural | https://www.planalto.gov.br/Consea