Por Fabio Nassif, na Carta Maior
Um relatório publicado pela Comissão Pró-Índio de São Paulo no último dia 15 ilustra a dramática questão das demarcações de terras quilombolas no Brasil. Focado no balanço de 2011, o relatório concluiu que apenas uma única terra foi regularizada neste período.
Enquanto isso, dois casos chamam a atenção pela violência gerada diante da indefinição jurídica: o de Manoel dos Chacos, ameaçado de morte no Maranhão; e o da Comunidade Quilombola Rio dos Macacos, em conflito com a Marinha do Brasil no estado da Bahia.
A conclusão do relatório é que “o primeiro ano do governo Dilma não trouxe mudanças significativas na política de regularização das terras quilombolas”. A inovação ocorrida diz respeito à contratação de empresas para realização de relatórios antropológicos que subsidiam os processos de titulação. Além de colocar em dúvida a qualidade desse material, o documento critica a falta de agilidade dos processos já que, depois de inclui-lo como parte do Relatório de Técnico de Identificação e Delimitação (RTDI), o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) deve garantir técnicos para a produção das outras peças.
A demora desses processos se deve em boa parte à falta de estrutura do Incra. O próprio texto da Comissão Pró-Índio questiona como o órgão dará conta de transformar os 158 relatórios antropológicos em RTDIs, já que em sete anos ele publicou somente 147 desses.
Ameaça
Manoel do Charco, do Quilombo do Charco localizado no município São Vicente Ferrer no Maranhão, aponta que boa parte dos problemas está mesmo na ausência de estrutura do Incra, mas complementa que “boa parte se dá pela falta de vontade política do governo federal”.
Ele tem uma história semelhante a de outros quilombolas, que, diferente dos fazendeiros da região que herdam terras, têm como herança a luta por elas. Manoel assumiu com mais força essa tarefa depois que seu companheiro de luta, Flaviano Pinto Neto, foi assassinado com sete tiros na cabeça em outubro de 2010. Flaviano era presidente da Associação Quilombola do Charco. Os acusados são Manoel Martins Gomes e Antonio Martins Gomes (vice-prefeito de Olinda Nova do Maranhão e candidato a reeleição).
“Pro Charco ser valorizado teve que morrer um companheiro”, disse ele, que aguarda o relatório, já com prazo estourado em um mês. Manoel prefere não dar palpite sobre as possibilidades de titulação das terras onde vive, mas já sabe que a justiça é muito suscetível às pressões dos fazendeiros.
A demora pela espera da titulação da terra não diz respeito somente a uma questão de tempo, mas de vida. No último domingo, Manoel foi ameaçado mais uma vez. “Três caboclos tentaram me pegar de moto indo pruma reunião no interior do estado. É a quarta vez que tentam me derrubar”, relata.
Faz um mês que ele deixou de ser protegido pelo Programa Nacional dos Defensores de Direitos Humanos (PNDDH) do Governo Federal. O motivo é financeiro, já que ele não conseguia cumprir nenhum horário de trabalho, e o programa disse não poder bancá-lo. Segundo o próprio Manoel, “proteção, só a divina”.
Despejo
Um outro caso que exemplifica a situação desses povos é o da Comunidade Quilombola Rio dos Macacos, na Bahia. A disputa, nesse caso, é com a Marinha do Brasil, que, segundo os moradores da região, impedem até a entrada de funcionários do Incra no local. A Marinha tem protagonizado uma série de violações, como a invasão de domicílios, atentado às mulheres, uso ostensivo de armamento e impedimento das atividades econômicas tradicionais como agricultura e pesca de subsistência.
Diversas entidades realizaram um ato no último dia 6 para denunciar esta situação pois a ameaça eles sofrem ameaça de despejo no dia 4 de março. (Veja aqui vídeo sobre esta situação).
Não à toa, João Pedro Stédile, dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, em reunião de alguns movimentos sociais com a presidenta Dilma Rousseff (PT) durante o Fórum Social Temático, cobrou resolução do problema das terras quilombolas. “É a maior dívida social que nós temos, o país foi construído com trabalho escravo, e agora não consegue reconhecer uma área? Nós temos que recuperar a legalização das terras quilombolas”, disse.