Revista Radis
Adriano De Lavor
29/02/2012

Coordenador do MST diz que uso intensivo de veneno tem relação com capital financeiro, empresas transnacionais e novo modelo de produção agrícola.

 

A difusão do uso de agrotóxicos no Brasil — maior consumidor do produto no mundo —, suas implicações para a saúde da população e sua relação com o modelo de desenvolvimento econômico predominante no país foram temas abordados pelo economista João Pedro Stédile, coordenador do Movimento dos Sem Terra (MST), na palestra que ministrou em dezembro de 2011 na Ensp/Fiocruz. Stédile visitou a Fiocruz a convite do pesquisador Marcelo Firpo, do Centro de Estudos em Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh/Ensp), e do Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Fiocruz (Asfoc-SN), quando divulgou a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida e reforçou a articulação do movimento com a Fiocruz.

Ele participou, no mesmo dia, de encontro oficial com o presidente Paulo Gadelha, quando a instituição se comprometeu em organizar seminário sobre o tema, oferecer suporte técnico-científico para a campanha e articular a produção de um documentário sobre o assunto, dado o sucesso de “O veneno está na mesa”, dirigido por Sílvio Tendler, em 2011. Stédile considerou promissora a parceria, que inclui a estruturação de um curso de mestrado e material didatico para capacitar os professores, “com o olhar de defesa da vida que vai além da medicina e do uso de vacinas”.

Um dos fundadores e dirigente nacional do MST, Stédile observou que todas as formas de organização da população brasileira e instituições públicas devem estar ligadas à construção da saúde. Ele destacou a importância da vocação política da Fiocruz, “coadunada com os problemas do nosso povo”, e do pensamento de sanitaristas Sérgio Arouca (ex-presidente da instituição, falecido em 2003) e David Capistrano Filho (ex-secretário de Saúde e prefeito da cidade paulista de Santos, morto em 2000), na construção de uma política pública que mantenha vivo o ativismo em saúde pública.

Raízes do problema – O economista afirmou que o problema dos agrotóxicos é antigo, resultado do processo de Revolução Verde imposto pelos Estados Unidos à América Latina na década de 1970, e que vem se agravando. A “revolução” a que se refere foi um programa idealizado para aumentar a produção agrícola no mundo por meio “melhoramento genético” de sementes, uso intensivo de insumos industriais, mecanização e redução do custo de manejo. Ele explicou que, por mais que se soubesse dos perigos do uso do veneno, não havia consciência do que isso significava. “A luz vermelha acendeu nos últimos anos”, advertiu, quando os produtores anunciaram que o Brasil já consumia 1 bilhão de litros de veneno — o maior volume mundial. “Estas 10 empresas transnacionais nunca ganharam tanto dinheiro com a desgraça dos outros”, disse.

Dada a gravidade demonstrada pelos números, a sociedade começou a se mobilizar, com ações que culminaram na Campanha Nacional contra o Uso de Agrotóxicos, que conta com a participação de governo, universidades, entidades ambientalistas e sindicais, além de instituições religiosas. “A campanha já nasceu vitoriosa por se constituir plural”, avaliou.

Stédile assegurou que a difusão descontrolada de agrotóxicos não tem relação com qualquer necessidade agronômica. Para ele, o uso intensivo de veneno está relacionado à globalização, etapa atual do capitalismo que nos últimos 20 anos tem se apoiado no capital financeiro e nas empresas transnacionais, e impôs um novo modelo de produção agrícola. Para que este modelo se torne rentável, disse, é necessário se apropriar das riquezas naturais, reduzindo a produtividade agrícola. “O capitalismo está interessado em produzir commodities, sem nenhum compromisso com os bens da natureza”.

Sementes privadas – O modelo de lucro máximo criou uma aliança de classes que reúne as empresas transnacionais (com insumos, venenos e matriz tecnológica), o capital financeiro (no Brasil, são R$ 120 milhões destinados ao agronegócio), os grandes proprietários de terra e os meios de comunicação de massa. Stédile apontou que grandes grupos como Abril, Estado e Globo precisam desta aliança e a sustentam com a sua reprodução ideológica. “Eles criam a hegemonia de que o modelo do agronegócio e do veneno é legítimo, é bom e é único”, afirmou.

Ele descreveu que o modelo, em primeiro lugar, é baseado na grande escala, ou seja, não há como aumentar o lucro sem aumentar a produção. Isso significa que o produtor ou briga com o vizinho ou avança nas terras públicas; em segundo lugar, apóia-se no monocultivo: hoje, no Brasil, 85% das terras são destinadas à plantação de soja, milho e cana de açúcar ou à criação de gado; e, ainda, há o predomínio de sementes transgênicas.

O dirigente do MST disse não ser contra melhoria genética em casos controlados, mas sim à transformação das sementes em produtos privados: “A prática de melhoria genética sempre foi democrática. Agora, as empresas têm a propriedade”, disse. Ele informou que foi a partir de uma lei de patentes, aprovada por Fernando Henrique Cardoso em 1995, que se permitiu a privatização de seres vivos. Além disso, denunciou que as experiências de transgenia não existem para melhorar a produtividade ou aumentar o número de nutrientes dos alimentos, mas sim para introduzir nas sementes venenos. Citou a soja round up ready, fabricada pela Monsanto. “A Monsanto nunca vendeu tanto herbicida quanto no Brasil”, assegurou.

Contradições e reações –
Stédile lembrou que este modelo, ao contrário do que apresenta, traz dentro de si inúmeras contradições. Uma delas aponta para os efeitos na saúde pública (veja ao lado como identificar alguns sintomas de intoxicação por agrotóxicos) e a “ceifar vidas”. Ele informou que há dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca) que apontam para um aumento nos casos da doença, indicando que a maior parte terá sua origem nos agrotóxicos.

Outra contradição indica que o modelo desequilibra o meio ambiente. “O veneno elimina a biodiversidade”, explicou Stédile, lembrando que em alguns pontos do país é possível andar 400 quilômetros sem enxergar qualquer outro ser vivo que não seja a soja. As consequências, segundo ele, refletem mudanças climáticas e alterações em biomas como a Amazônia.

Ele orientou que, de acordo com a dialética, contradições geram reações. “Nós esperamos que as contradições gerem consciência da população que levem a novos modelos de produção”, afirmou. O ativista do MST argumentou que é possível produzir alimentos em grande escala usando técnicas de agroecologia, ao contrário do que divulgam os meios de comunicação. Segundo ele, são 500 anos de saber popular reunidos sobre estas técnicas. “Existe conhecimento sistematizado na academia, que é alijado”, acrescentou, informando que há grande pressão da mídia em cooptar alunos de agroecologia para o modelo dos agrotóxicos.

O ativista assegurou que um novo caminho é possível, citando como exemplos a Usina São Francisco, de Sertãozinho (SP), que produz 14 mil hectares de cana de açúcar orgânica, e o sítio Catavento, em Indaiatuba (também em São Paulo) que produz 10 hectares de tomate e 10 hectares de cenoura “sem um grama de veneno”. Ele advertiu que o sistema de produção também está oligopolizado. “É um nicho de mercado que rende muito dinheiro”. Produtos que não levam agrotóxicos, segundo Stédile, não apodrecem, no máximo murcham. “É irreal a tese de que produzir do modo agroecológico custa mais caro. Um tomate orgânico vive duas semanas; com agrotóxico apodrece em poucos dias”, afirmou.

Campanha –
Stédile advertiu que o problema dos agrotóxicos não se restringe aqueles que o aplicam, mas inclui as consequências do uso, tão democráticas quanto a incidência do câncer. Ele informou que a Campanha Contra o Uso de Agrotóxicos vai estimular o debate para conscientizar agricultores e a população a pressionar por mudanças, inclusive na legislação, e listou uma série de fatos que não vêm a público: Agrotóxicos são isentos de pagamento de IPI e ICMS; o cultivo de fumo praticado no Rio Grande do Sul utiliza 42 venenos diferentes, causadores de câncer; a plantação de soja em Palmeira das Missões (RS) tem sido apontada como responsável pelo alto número de suicídios, abortos e fetos com má formação.

Também advertiu para a emergência de novas enfermidades entre os indígenas que vivem na Ilha do Bananal (TO) — Eles pescam no rio Araguaia, contaminado por arrozais cultivados com agrotóxicos mais ao Sul — e para a detecção de glifosato e outros venenos nas águas subterrâneas do Aquífero Guarani, maior manancial de água doce subterrânea transfronteiriço do mundo, que ocupa uma área de 1,2 milhões de quilômetros quadrados, estendendo-se pelo Brasil (nos estados de Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul), Paraguai, Uruguai e Argentina. Além disso, cobrou que os produtos que levam agrotóxicos tragam esta informação nas embalagens. “Está no Código de Defesa do Consumidor”, advertiu.