elaineAutora do livro “Alimentos Orgânicos”, um dos mais completos sobre o tema no Brasil e que acabou de ser reeditado, a nutricionista Elaine Azevedo explica as questões que envolvem uma alimentação saudável. Em entrevista à Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) ela aborda, não só do ponto de vista nutricional, a diferença dos alimentos produzidos com insumos químicos para os produzidos em bases ecológicas.

Segundo a estudiosa, é preciso analisar toda a rede de produção, levando em consideração as questões de saúde e econômicas, dentre outras, para entender o que é mais interessante para o consumo humano de alimentos. Nada pode ser desconsiderado, como o meio ambiente, e é com essa visão que ela defende a produção orgânica e agroecológica. Para ela, é muito importante, inclusive do ponto de vista econômico, a valorização da alimentação local e das feiras da agricultura familiar.

 

Como surgiu a ideia de realizar a pesquisa do livro Alimentos Orgânicos, e quais são as principais teses levantadas por ele?

O livro é produto de minha atuação como professora e nutricionista interessada em orgânicos, e começou a ser escrito no início do ano 2000. É a terceira edição, lançada agora por uma editora com maior inserção e visibilidade no mercado nacional. Além de abordar a relação entre saúde, alimentos e agricultura e a polêmica questão da qualidade dos orgânicos e do papel do consumidor nesse circuito comercial (e político) – primeira ideia do livro – foram introduzidas discussões, resultado das minhas pesquisas de mestrado e doutorado na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). No mestrado em Agroecossistemas abordei a relação entre qualidade de vida e agricultura familiar orgânica, a partir de um estudo que se debruçou sobre agricultores familiares no interior de Santa Catarina que optaram pela proposta da Agricultura Orgânica. O estudo de caso ajudou a elucidar a complexidade das relações das pesquisas sobre qualidade de vida no meio rural, ao mesmo tempo em que evidenciou a prática da Agricultura Familiar Orgânica como uma estratégia eficaz na promoção de qualidade de vida e de valores sociais nesse meio. O doutorado na Sociologia Política teve como objetivo central analisar as controvérsias sobre riscos e benefícios envolvidos no processo de construção social do conceito de alimento saudável com dois focos inseparáveis: os riscos e os benefícios à saúde e ao meio ambiente.

Qual o cenário dos orgânicos no Brasil, levando em consideração notícias que informam o crescimento do agronegócio no país?

Primeiro é bom enfatizar que essa dicotomia (agronegócio e agricultura orgânica) é muito frágil. O agronegócio não está preocupado em PRODUZIR OS ALIMENTOS PARA O CONSUMO DOS BRASILEIROS ou em promover segurança alimentar e nutricional, mas é uma dinâmica de caráter econômico que objetiva a concentração de capital pelas oligarquias transnacionais que predominam no setor. A agricultura orgânica – especialmente aquela vinculada a agricultura familiar – é quem assume essas preocupações, junto com a agricultura familiar “convencional”. O interesse nos orgânicos continua a crescer em todo o Brasil, a consciência do consumidor aumenta e cada vez mais a população busca esse tipo de alimentos em feiras e lojas especializadas, tendência que aparece em vários países do mundo.

Recentemente foram divulgadas notícias afirmando que os orgânicos não são mais nutritivos que os alimentos convencionais e, portanto, não possuem grandes vantagens. É verdade?

A pergunta primeira é verdade – os orgânicos não têm MAIOR valor nutricional que os convencionais; têm MELHOR valor nutricional devido ao equilíbrio na quantidade de nutrientes esperada para cada espécie. A segunda resposta vai depender do que se considera vantagem. Qual a real vantagem de um alimento com alto valor nutricional contaminado com agrotóxicos, fertilizantes químicos, aditivos sintéticos, drogas veterinárias, sementes transgênicas e produtos radiolíticos cuja produção contamina o nosso ar, a nossa água, o nosso solo, destrói nossas florestas? E ainda desequilibra o clima, e expulsa do meio rural os poucos agricultores que ainda se mantém na árdua tarefa de produzir comida para o meio urbano nesse país. Resumindo: o conceito de valor nutricional é muito reducionista para definir o que é um alimento realmente saudável para nós e para o meio ambiente.

Quais são as principais diferenças, do ponto de vista nutricional, entre alimentos produzidos no sistema agroquímico e os produzidos seguindo o enfoque agroecológico e as técnicas da agricultura orgânica? Há benefícios para a saúde relacionados ao consumo de alimentos orgânicos e agroecológicos?

Os alimentos orgânicos e ecológicos têm maior teor de minerais, pois provêm de um solo equilibrado, e maior teor de fotoquímicos, além de um equilíbrio nos outros nutrientes. Na verdade os orgânicos têm a quantidade de minerais esperada para cada cultura; quem tem de menos são os convencionais.

Há muitos estudos que relacionam os contaminantes acima mencionados com diversos tipos de doenças (alguns tipos de câncer, Parkinson; dermatoses, alergias, esterilidade em adultos; doenças neurológicas e respiratórias, etc). Então espera-se que se NÃO ingerimos esses contaminantes podemos prevenir algumas dessas disfunções. Precisamos de estudos de longo prazo que relacionem consumo de orgânicos e saúde dentro de um contexto de vida saudável, pois não é só a dieta que promove saúde e qualidade de vida.

Como os nutricionistas enxergam os agrotóxicos e os transgênicos na produção de alimentos?

De forma geral, os Conselhos Federal e Estaduais de Nutrição estimulam o consumo de orgânicos e são favoráveis a rotulagem e a pesquisa mais aprofundada dos transgênicos. Os nutricionistas da área de Saúde Pública estão mais conscientes da importância de controlar o consumo dos agrotóxicos e dos transgênicos devido às recentes discussões das Políticas de Segurança Alimentar e Nutricional e da Política Nacional de Alimentação Escolar, que promovem os alimentos orgânicos e ecológicos de origem familiar. Os nutricionistas funcionais também estão atentos a essa abordagem. A área clínica ainda me parece a mais distante dessa discussão, uma vez que os cursos de Nutrição nas universidades ainda carecem de professores capacitados para abordar esses conteúdos.

livro organicos

Em vários estados do país há frutas, legumes, cereais e outros alimentos tipicamente locais, que não estão nas grandes redes de supermercado. Qual sua opinião sobre essa padronização nutricional?

Para falar disso transcrevo aqui um texto que foi publicado recentemente no Portal Orgânico. Os alimentos orgânicos podem – e devem – ser discutidos na perspectiva de outro importante conceito: o de alimento local. Isso porque esses alimentos se relacionam com a noção de territorialidade dos hábitos alimentares, ou seja, levam em conta o contexto cultural de produção de alimentos regionais que fazem com que uma determinada região seja identificada culturalmente pelo tipo de comida ali produzida. Exemplos? Milhões! Uva? Sul do Brasil… Açaí e tapioca? Pará! Cupuaçu? Amazonas; Queijo e goiabada cascão? Minas; Pequi, mangaba, araticum, buriti ou curriola? O cerrado brasileiro. Esses alimentos ajudam na construção da identidade local, além de promover o desenvolvimento sustentável e manter muitas famílias no campo.

Isso só ajuda o desenvolvimento e fortalece a identidade dos lugares. Gilberto Freire já falava que os alimentos locais/ regionais ajudaram a construir a identidade alimentar do povo brasileiro. Um povo que perde essa identidade é muito mais fácil de ser manipulado politicamente. A padronização nutricional é uma forma de desqualificar a nossa própria identidade cultural e uma maneira de valorizar dietas moldadas sob a ótica da predominância econômica, tecnológica e cultural de determinados países.

Além disso, o alimento local é ajustado ao ecossistema e é produzido com menor custo energético e menor uso de insumos. Pensando nos gastos energéticos para produzir alimentos, o jornalista Michael Pollan fala no seu livro “O Dilema do Onívoro” que 7 a 10 calorias de combustíveis fósseis são usados para produzir UMA caloria de energia alimentícia. E somente 1/5 dessas calorias vai para a produção dos alimentos propriamente dita. O restante é destinado para beneficiamento e transporte desses alimentos. Ou seja, gastamos MUITO petróleo e poluímos o ambiente para transportar alimentos produzidos num local para beneficiar outros consumidores longe dali. E mais, um estudo importante da New Economics Foundation, em Londres, mostra que para cada real gasto localmente, gera-se duas vezes mais renda para a economia do lugar; ou seja, comprando de agricultores locais ou de pequenas lojas e mercados da região em vez de grandes redes varejistas e importadoras; a economia desse local se fortalece. Essa é uma ação política da compra de alimentos produzidos perto do consumidor. Então além de ser orgânico, o alimento deve ser produzido perto do mercado consumidor.

Pense: se é ambientalmente sustentável comprar um suco de frutas vermelhas orgânicas produzido na África do Sul que gasta 12.000 km de energia petrolífera para chegar à sua mesa?

As principais críticas feitas aos orgânicos são o preço elevado e a impossibilidade de produção em grande escala. São mitos, ou realmente questões incontornáveis?

Há certa verdade nisso, mas são questões contornáveis. Na produção animal é realmente difícil conseguir a produtividade que as granjas de porcos e galinhas e o confinamento de bovinos conseguem à custa do sofrimento animal e da qualidade das carnes, ovos e leites. Ai entraria outra discussão relacionada à necessidade de diminuir a ingestão de proteína animal para o ser humano contemporâneo. Já na produção vegetal, é possível equiparar a produtividade e há muitos estudos e casos sobre isso em revistas especializadas da Agroecologia e Agricultura Orgânica.

Com relação ao preço, este valor mais caro é algo relativo, já que os orgânicos efetivamente proporcionam maior benefício à saúde. Não só à saúde humana, mas também à saúde do meio ambiente, que, por tabela, também acaba refletindo na saúde humana. Então esse adicional de preço justo – que deve ser justo, e não 100% a mais, ou um preço especulativo – relaciona-se a um alimento de melhor qualidade. Todo e qualquer produto melhor custa mais. A própria lei do mercado está implícita no alimento também. O produto orgânico é mais caro porque tem melhor qualidade. Mas, repito, não pode ser um preço abusivo que torne o alimento elitizado. Como todo produto no mercado, o orgânico vai baratear se houver maior procura. E comprando em feiras e cestas direto do agricultor é possível conseguir preços de alimentos in natura bem próximos dos convencionais. Pra terminar fica uma provocação a essa pergunta: no caso dos alimentos convencionais, que são mais “baratos”: qual o real valor de um alimento barato que promove exclusão social do agricultor familiar, causa doenças e ainda degrada o meio ambiente? É preciso pensar de forma sustentável a médio e longo prazos. Pensando na sua saúde, o que você economiza no seu prato, gasta na farmácia e no hospital.

Que dicas você daria para os consumidores que estão interessados em melhorar a qualidade nutricional das suas dietas?

Comprem orgânicos, carnes frescas, ovos “caipira” e alimentos da época provenientes de agricultores da sua região. Busquem feiras “direto do agricultor”, compras solidárias, cooperativas de agricultores ecológicos na sua cidade. Comam mais alimentos frescos, integrais, regionais e pouco processados. Instigue a compra desses alimentos em escolas, restaurantes e mercados. Procurem dedicar mais tempo para preparar iogurtes a partir de leites pasteurizados e não esterilizados que serão adicionados de frutas frescas e cereais integrais; procurem comprar ou fazer pães e bolos caseiros, manteiga em vez de margarinas, compotas caseiras e sucos de frutas com açúcar integral…. Preocupem-se com a origem dos seus alimentos, leiam rótulos, questionem a procedência do que vocês compram. E o mais importante: dediquem TEMPO para esse ato de prazer cotidiano que pode se tornar-se um ato político e socioambiental.

(*) Veja o mapa de feiras orgânicas do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC).