Por Gerson Teixeira¹

Há algum tempo a “Embrapa gestão ambiental e territorial” vem se dedicando a pesquisar os dados do Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (SiCAR) com o objetivo de demonstrar os méritos do setor rural brasileiro na preservação da vegetação nativa dos imóveis rurais. As lideranças do agronegócio têm explorado à exaustão as revelações da Embrapa na busca da viabilização de uma improvável narrativa preservacionista para as grandes explorações agropecuárias.

No dia 24 de julho, a Embrapa divulgou nova avaliação do SICAR que apontou que a avaliação anterior, divulgada há um ano, subestimou essa virtude dos agricultores. O novo estudo concluiu que o setor produtivo rural do país destina área acima de 218 milhões de hectares para a preservação da vegetação nativa; o equivalente a um quarto do território nacional (25,6%). Este número inclui a área de 20.994.844 hectares destinada à preservação da vegetação nativa nos imóveis rurais, não migrados ao SICAR, de janeiro de 2018.

O estudo vai mais longe: conclui que “…a área total destinada à preservação, manutenção e proteção da vegetação nativa no Brasil ocupa 66,3% do território. Nesse número, estão os espaços preservados pelo segmento rural, as unidades de conservação integral, as terras indígenas, as terras devolutas e as ainda não cadastradas no SiCAR. Elas somam 631 milhões de hectares, área equivalente a 48 países da Europa somados”. Especificamente sobre as ações de preservação nos imóveis rurais, o conteúdo da pesquisa enfatiza que, em média, seria como se cada produtor rural utilizasse apenas metade de suas terras. A outra metade é ocupada com áreas de preservação permanente (às margens de corpos d’água e topos de morros), reserva legal e vegetação excedente. O estudo resolveu valorar o empreendimento ambiental dos produtores concluindo que o valor do patrimônio fundiário imobilizado em preservação ambiental é de R$ 3,1 trilhões.

A Embrapa Territorial procedeu, ainda, ao estudo comparativo sobre a utilização das terras rurais no Brasil com a observada nos Estados Unidos visando projetar internacionalmente a conduta ambientalmente consequente dos grandes agricultores brasileiros. As figuras abaixo sintetizam as conclusões da Embrapa.

Ainda que trabalhe com a categoria ‘imóvel rural’, utilizada pelo CAR, o estudo da ‘Embrapa Territorial’ considera este conceito bastante próximo ao de ‘estabelecimento agropecuário’ do IBGE, o que respalda o procedimento adiante que compara os dados dos imóveis adotados pela Embrapa com os do Censo Agropecuário 2017 (CA/2017). Os dados do CA/2017 desautorizam as conclusões da Embrapa, aparentemente de forma inconteste. A área de 218 milhões hectares de matas nativas não encontra respaldo nos números do IBGE, que considera duas categorias de matas nativas:

(i) matas ou florestas naturais destinadas à preservação permanente ou reserva legal (que são as áreas calculadas pela Embrapa) – corresponde às áreas utilizadas como reserva mínima ou para proteção ambiental ou fins científicos e biológicos. Nesta categoria também são consideradas as áreas com mato ralo, caatinga, cerrado ou capoeirão, quando declaradas terem sido utilizadas com tal finalidade. Para essas matas o CA/2017 encontrou a área de 75.364.658 hectares. Tudo indica que as conclusões da Embrapa envolvem esta categoria de matas/florestas. Neste caso, a área de 218 milhões hectares calculada pela Embrapa Territorial estaria superestimada em 142.6 milhões hectares. Portanto, pelos dados do IBGE, a área com matas nativas nos estabelecimentos agropecuários corresponde a 21.5% da área total; e não, a 50% da área dos imóveis conforme os dados da Embrapa;

(ii) matas ou florestas naturais (extrativismo ou manejo florestal sustentável) – corresponde às áreas cobertas por matas utilizadas para a extração vegetal e as florestas naturais não plantadas, inclusive as áreas com mato ralo, caatinga ou cerrado, que foram utilizadas ou não para o pastoreio de animais. Não são consideradas nesta categoria as áreas de preservação permanente e as áreas em sistemas agroflorestais. Estas áreas correspondem a 17.777.636 hectares de acordo com o CA/2017. Digamos que os cálculos da Embrapa Territorial também tenham levado em conta essa categoria de matas/florestas. Com isto, a área com vegetação nativa preservada seria de 93.142.294 hectares. Assim sendo, o erro da Embrapa seria de 125 milhões hectares, e essas áreas preservadas de vegetação nativa corresponderiam a 26.5% da área total dos estabelecimentos, e não, 50%.

Sejamos ainda mais cautelosos e suponhamos que o estudo da Embrapa tenha incluído as áreas com florestas plantadas e com sistemas agroflorestais (o que, definitivamente, também não é o caso). Com esses acréscimos que esgotam as categorias envolvendo as florestas previstas pelo IBGE no CA/2017, teríamos área de 115.558.104 hectares, ou seja, mesmo assim, a área calculada pela Embrapa Territorial estaria superestimada em 102 milhões hectares.

Claro que uma das hipóteses (talvez a principal) para os ‘equívocos’ da Embrapa Territorial esteja no superdimensionamento dos dados do SICAR sobre as áreas de vegetação nativa dos imóveis. Lembrando que tais informações são autodeclaratórias, e há o interesse dos produtores em “dar-lhes um incremento”. Contudo, o ‘equívoco’ evolui para manipulação política quando as conclusões da Embrapa Territorial não as qualificam. O estudo passa a impressão que a “conduta preservacionista” constitui marca dos grandes agricultores, em geral, quando os dados deixam claro que 65% do total das áreas com matas nativas preservadas, por razões óbvias, estão localizadas nas regiões Norte e Centro-Oeste. E esse estoque de vegetação nativa não é fruto de ação de preservação pelos grandes proprietários. Na maior parte, trata-se de áreas onde o ciclo tradicional da devastação na Amazônia ainda não ocorreu. Isto é, são áreas à espera da exploração da madeira, seguida da pecuária, para a chegada da soja.

Em suma, mesmo se considerássemos como ‘matas nativas preservadas’ os 84 milhões de hectares resultantes da diferença entre a área cadastrada no CAR (434 milhões de hectares) e a área dos estabelecimentos agropecuários (350 milhões hectares) ainda assim a Embrapa Territorial teria superestimado a “área nativa preservada”, em 59 milhões de hectares, o equivalente aos territórios dos estados da Bahia e Alagoas.

Gerson Teixeira é Assessor da Liderança da Bancada do PT na Câmara dos Deputados. Artigo originalmente publicado em 06/08/2018.

1 comentário

  • A Embrapa Territorial foi criada para atender interesses dos militares e dos grandes agropecuaristas e latifundiários. Sempre teve como cérebro o Sr. Eduardo Evaristo de Miranda, notório por realizar estudos com viés de atender esses interesses. Em estudo anterior com outros dados também concluiu que os agropecuaristas são os maiores conservadores ambientais no Brasil. Quando alguém tiver a paciência de esmiuçar os dados utilizados utilizados por esse senhor ficará ainda mais explicito os vieses desses trabalhos.