Livro lançado no Brasil contesta segurança dos transgênicos.

Por Maíra Bueno | 29.09.2017

Fonte: Projeto Alimento

Leonardo Melgarejo é agrônomo, coordenador do grupo que avalia os agrotóxicos e transgênicos na Associação Brasileira de Agroecologia e professor colaborador do mestrado profissional em Agro Sistema, na Universidade Federal de Santa Catarina. Ele organizou, junto com mais três pesquisadores, o livro “Lavouras transgênicas – riscos e incertezas”, que reúne mais de 750 estudos internacionais sobre os impactos dos transgênicos na agricultura. Como a entrevista é longa, separamos os melhores momentos e dividimos em duas partes. Na primeira parte da entrevista falamos sobre o impacto das sementes transgênicas de soja e milho no país e a repercussão do livro na Comissão Técnica Nacional de Biossegurança. E na segunda parte, sobre os conflitos de interesses ligados aos transgênicos, a atuação da bancada ruralista nesse contexto e as alternativas da Agroecologia.

PA – Como foi sua participação na elaboração do livro “Lavouras transgênicas?
Eu me aproximei dos transgênicos por uma indicação para participar da CTNBio – Comissão Técnica Nacional de Biossegurança. A indicação veio do fato de que em um determinado momento, quando entrou a soja transgênica no Brasil, através do Rio Grande do Sul, eu estava trabalhando na área de economia rural, acompanhando os agricultores, fazendo perguntas sobre a produção, desde a intenção do plantio até o momento da colheita. E percebi naquele ano que o negócio da soja era paradoxal.

PA – Por quê? O que houve com a produção de soja transgênica?
Todo agricultor é muito otimista em relação a sua expectativa de ganho futuro. Mas aí ele planta, e no decorrer desse processo acontecem certos eventos na natureza que reduzem essa expectativa. Há vários estudos sobre isso. São eventos que ocorrem aleatoriamente na natureza – vento, chuva, seca – que fazem com que o retorno do agricultor seja, em média, 15% abaixo do esperado. Exceto, veja bem, em anos muito especiais! Por exemplo, quando há época de chuva durante o período de enchimento de grão, ou então quando há oscilação do El Niño, esses fenômenos que alteram o clima no planeta. E quando entrou a soja transgênica no Rio Grande do Sul aconteceu uma coisa dessas. Naquele ano, o rendimento obtido foi 5% superior ao rendimento esperado. Teve um fenômeno climático que acontece a cada 6 ou 8 anos. Mas os agricultores acreditaram que se devia à soja transgênica.

PA – Houve algum debate sobre essa questão da produtividade ser associada ao clima e não à tecnologia?
Nós, no Rio Grande do Sul, da EMATER/RS, escrevemos um artigo mostrando que aquela situação era associada ao clima e não ao rendimento. A chefia na ocasião proibiu de utilizar os nossos dados de campo, porque contrariava a expectativa do governo de então. E acabamos publicando o artigo com dados do senso agropecuário do IBGE, que embora não fossem tão detalhados como os nossos, permitiam as mesmas conclusões. Havia um esforço muito grande para justificar a regularização daquela safra, que foi plantada irregularmente, com sementes contrabandeadas. E isso foi empurrado para a população pela grande mídia, com muitos professores comprometidos com os transgênicos apoiando, de tal maneira que se criou a mística de que a soja transgênica era mais produtiva. Na ocasião, circulavam propagandas que diziam que ela teria 6 ou mais grãos por vagem, uma fantasia [normalmente são 4 grãos por vagem].

PA – A soja transgênica entrou ilegalmente no Brasil? Conta um pouco sobre isso!
A soja transgênica entrou no Brasil por contrabando, no início dos anos 2000, pelo Rio Grande do Sul. Ela era autorizada na Argentina, mas no Brasil essa questão ainda não havia sido regulamentada. E como as fronteiras daqui são muito difíceis de serem controladas, rapidamente 70% da área cultivada de todo Rio Grande do Sul já estava com soja transgênica. O agronegócio que fez isso! Ao governo coube tomar uma decisão: regularizar ou destruir. Era o primeiro mandato do Lula. O governo regularizou a safra, mas proibiu o plantio no ano seguinte. Só que até o ano seguinte, o governo voltou atrás e validou o processo que ainda hoje se expande.

PA – É vantajoso plantar soja transgênica?
De modo algum! Naquela época, nós aqui no Rio Grande do Sul, gostaríamos que o estado fosse uma área livre de transgênicos. Nós dizíamos o seguinte: “a Coca Cola gasta bilhões de reais por mês para dizer que seu refrigerante é melhor que os outros. Se as empresas gastam uma fortuna para se diferenciar no mercado para dizer que seu produto é diferente dos outros, por que nós vamos entregar de mão beijada nossa produção de soja livre de transgênicos?” Nós temos um estado estruturado, com cadeias de produção, comercialização, armazenagem, aqui no Rio Grande do Sul, que permitiria oferecer no mercado internacional soja não transgênica. A demanda internacional é suficientemente robusta para que nós ganhássemos muito com a soja não transgênica! E nós não teríamos os custos dos royalties [sobre as sementes], não teríamos a dependência brutal sobre as sementes. O Brasil já vendeu as próximas 3 ou 4 safras de soja no mercado futuro. Para plantar essa soja as empresas de transgênicos têm que autorizar, porque elas são as donas das sementes! Nós não temos mais autonomia para garantir o papel do negócio, perdemos isso no mesmo momento em que perdemos o mercado dos produtos não transgênicos.

PA – Mas foi feita uma discussão para avaliar a necessidade da soja transgênica nas lavouras locais, por exemplo?
Havia uma discussão, uma polarização entre “precisamos” e “não precisamos” [de soja transgênica]. Uma liderança dentro da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio (Leila Oda, se não me engano) dizia, na época, que era bobagem dizer que o clima havia aumentado a produtividade, quando era a tecnologia. Mas não há nenhuma transformação genética realizada pela biotecnologia até agora que mexa com os fatores de estruturação da produção. Os transgenes incorporados nas lavouras atuam na defesa da produtividade natural da planta, contra insetos e em relação a outras plantas que disputam água e luz. Portanto, a transgenia não aumenta a produtividade. Para aumentar a produtividade, é preciso mexer com fatores de absorção de água, com enchimento de grão desde o crescimento… Todas as modificações genéticas que temos no milho e na soja, por exemplo, só permitem produzir e vender veneno!

PA – Afinal, o que é uma planta transgênica?
São plantas que passam por modificações genéticas para torná-las resistentes a alguns venenos, agrotóxicos [para a planta não morrer ao entrar em contato com o agrotóxico]. As modificações genéticas também podem permitir que a planta mate alguns insetos: são as chamadas “plantas inseticidas”, elas produzem suas próprias toxinas. Mas isso não gera aumento de produtividade. Há, no máximo, o impedimento que a planta morra com uma infestação de insetos. Mas se o inseto não aparece, o veneno é apenas uma carga de custo adicional.

PA – Então a transgenia serve apenas para controle de pragas?
Sim! Todo agricultor tem que tomar decisões sobre a hora certa de aplicar o veneno. E essa hora é aquela em que está se formando um problema que ainda pode ser controlado. Quando entrei na faculdade de agronomia acontecia o seguinte: os agricultores caminhavam junto com os técnicos nas lavouras e encontravam, por exemplo, lagartas nas folhas. Colocavam um pano no chão e batiam nas plantas para contar quantas lagartas caíam. Existe um índice de infestação a partir do qual é preciso estabelecer um mecanismo de controle. Quando atingia esse índice, eles jogavam veneno nos focos de infestação para evitar que eles se expandissem e também jogavam um pouco no resto da lavoura. Mas isso era assim, agora mudou! As plantas transgênicas carregam o veneno o tempo todo, independente da presença do inseto. Então se antigamente, naquele processo curativo, identificava-se o foco e aplicavam-se dois, três litros de veneno por hectare, hoje as plantas transgênicas carregam o equivalente a aplicações de 800 ou até mil litros de agrotóxicos por hectare. Isso fica na natureza e afeta toda a cadeia da vida, afeta outros insetos, que afetam fungos e bactérias, comprometendo a produtividade futura.

PA – Qual é o papel da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança nesse contexto dos transgênicos?
Participei de 3 mandatos da CTNBio. Isso dá um total de 6 anos. Fiquei com a convicção de que lá é um espaço onde as decisões estão previamente consolidadas. Ou seja, é apenas um simulacro de democracia, onde as decisões são fruto de um consenso de uma maioria que não disputa argumentos técnicos. Na verdade, o debate de argumentos não ocorre! O que ocorre é um processo que garante uma maioria previamente favorável à aprovação das biotecnologias, neste caso, dos transgênicos. Espera-se, por exemplo, que no processo científico predominem as dúvidas, e que os cientistas procurem sanar as dúvidas, através de debates e busca por informações adicionais. Na CTNBio, porém, a maioria rejeita os pedidos de novas considerações apresentados pela minoria. A maioria não tem dúvidas a respeito da suficiência e validade das informações oferecidas pelas empresas, sobre os produtos das próprias empresas! Isso me parece muito pouco ajustado ao método científico.

PA – Que tipo de considerações são rejeitadas?
Por exemplo: a empresa que desenvolveu a primeira cana transgênica, que é uma cana que carrega proteínas inseticidas, apresentou seus argumentos. Foram solicitadas algumas informações e depois o processo foi para a votação [para saber se a cana poderia ou não ser aprovada]. Como os processos são muito volumosos, 5000 folhas, nem todos leem. Então são nomeados alguns relatores e os relatores fazem suas análises e apresentam sua opinião. E todos da CTNBio votam com base na opinião dos relatores – a não ser que alguém peça as vistas do processo, do tipo “eu não estou satisfeito em votar na opinião dos outros e vou ler eu mesmo o processo para fazer meu próprio julgamento”. Normalmente, na CTNBio, quem pede vistas ao processo são as pessoas dos grupos da minoria, pessoas associadas à questão ambiental, à questão da saúde ou à representação de agricultores familiares e consumidores. Então, olhando os processos, essas pessoas, via de regra, dizem: as informações não permitem a conclusão que a empresa apresentou. No caso dessa cana transgênica, a empresa disse que analisou o impacto sobre os organismos não alvo, mas o inseto que foi estudado não existe no Brasil, apenas no norte da Europa, então teria que estudar o inseto predominante no nosso ambiente. Mas a maioria votou contra o pedido de revisão do processo, dizendo que não era necessário, porque os argumentos apresentados pela empresa eram suficientes. Ou seja, há um grupo dentro da CTNBio que confia tanto nas informações oferecidas pelas empresas, que rejeita o pedido de informações adicionais solicitado por outros membros da comissão.

PA – Como funciona a CTNBio?
Participam da CTNBio 27 membros e seus suplentes. Há vários ministérios representados. A comunidade científica, a agricultura familiar e a defesa do consumidor também estão representadas. Então temos uma comissão que envolve membros da sociedade civil, da comunidade científica e do governo. Para rejeitar ou aprovar qualquer pedido, a maioria necessita 14 votos. Juntando os votos do Ministério da Indústria e Comércio, Ministério da Agricultura, Ministério da Defesa, Ministério das Relações Exteriores e Comunidade Científica asseguram-se pelo menos 16 a 18 votos, de uma maneira que essa maioria já é capaz de aprovar ou não os pedidos. Mas que eu saiba, até hoje não aconteceu de um pedido ser rejeitado. Eu acompanhei, por exemplo, o caso do arroz que seria aprovado, mas a própria empresa retirou o pedido da deliberação comercial. A indústria orizícola [do arroz] e a bancada ruralista pressionaram a empresa para que o produto não fosse aprovado no Brasil, porque em tempos de super safra, o Brasil precisa exportar arroz para Europa, e na Europa o arroz transgênico não tem autorização para comercialização e consumo. Então para evitar esse risco de mercado, o produto foi retirado.

PA – Qual é o critério que a maioria dos membros da CTNBio utiliza para avaliar os processos?
O principal volume de informações e estudos que é levado em consideração na CTNBio é produzido pelas empresas, ou patrocinado pelas empresas, ou por pessoas associadas aos interesses das empresas, que não veem problemas com riscos associados aos transgênicos, mesmo quando eles são considerados pela literatura internacional como riscos alarmantes.

PA – Essas empresas são nacionais ou internacionais?
São empresas internacionais e que trabalham com uma turma associada regional. Hoje, as parcerias público-privado permitem que as empresas internacionais coloquem dinheiro dentro de universidades e outras instituições públicas de pesquisa. E todas essas instituições acabam validando ou então se comprometendo, de alguma maneira, com os mesmos interesses das empresas. E as empresas têm interesse em dizer, primeiro, que a transgenia funciona, e depois, que funcionará durante muito tempo. Porque funcionar durante pouco tempo significa que a tecnologia não é viável. Então as empresas têm interesses que as pesquisas demonstrem que investir nesse mercado é lucrativo porque é eficaz e tem durabilidade, e também porque dispensa a preocupação com o controle dos insetos, dispensa a necessidade de caminhar na lavoura para ver se está surgindo insetos, evita o stress de aplicar rapidamente o veneno quando encontra um foco e assim por diante. Mas o milho com proteína inseticida, por exemplo, já está forçando o surgimento de insetos que não morrem mais com a proteína inseticida. Isso está associado na prática ao surgimento de insetos mais poderosos que vão exigir um novo passo ecológico.

PA – Fala um pouco mais sobre o impacto do milho transgênico no país!
Quando entrou o milho transgênico no Brasil a situação ficou ainda mais complexa. Na soja, o processo de polinização e formação do grão, que precisa de um gameta masculino e um gameta feminino, é resolvido dentro de cada flor. É basicamente auto fecundação. O pólen da soja não oscila na natureza como o pólen do milho. Com o milho e outras plantas como arroz, por exemplo, que são plantas de polinização aberta, o processo é diferente: o grão de pólen que fecunda uma determinada flor pode vir de outra flor localizada há quilômetros de distância. Então quando começou a expansão da lavoura de soja transgênica, o agricultor que quisesse plantar soja não transgênica ainda tinha essa possibilidade. Com o milho isso se tornou inviável, porque o agricultor pode plantar uma lavoura com milho não- transgênico, mas não sabe o que vai colher!

PA – Então todo milho produzido no país é transgênico mesmo quando não foi plantado com semente transgênica?
É que na espiga de milho tem aqueles fios, digamos assim, um monte de cabelinho, e cada um daqueles cabelinhos leva a um ovário, que forma um grão. Então cada um desses cabelinhos recolhe um grão de pólen, que vai formar um grão de milho. E aquele grão de pólen pode vir de outras plantas. Por isso o agricultor pode plantar um milho não transgênico e colher em uma espiga vários grãos transgênicos. Os grãos não-transgênicos podem se misturar aos transgênicos e isso gera uma impossibilidade no controle do milho. Para ter controle, é preciso criar áreas livres de transgênicos. Além disso, o agricultor que plantou não-transgênico, mas colheu transgênico, pode ser acusado de roubo de tecnologia, porque está usando uma tecnologia que tem direitos cobertos por patente industrial, e ele vai precisar pagar por isso, mesmo que ele não queira.

PA – É por isso que a maior parte dos produtos industrializados que possui milho na sua formulação tem o T de transgênico nos rótulos?
É! A falta de opção [sem transgênicos] é a grande dificuldade e ela existe muito em função do milho. O milho é uma planta maravilhosa, você pode fazer praticamente de tudo, até fraldas de bebê podem ser feitas de milho! E o grão de pólen é muito democrático, está em todos os ambientes e dança por todos os lados, ele viaja quilômetros. O calor que você sente dentro de uma lavoura de milho, transgênica ou não, está associado a uma corrente de ar quente que leva os grãos de pólen lá para cima e, estando lá em cima, as temperaturas mais baixas e correntes mais fortes faz com que ele caminhe quilômetros. A lavoura transgênica plantada em Santa Catarina pode afetar colheitas não-transgênicas no Rio Grande do Sul! Além disso, o fato de não termos cadeias de colheita, transporte e armazenamento exclusivas para grãos não-transgênicos, impede que o agricultor que consegue colher grãos não-transgênicos possa abastecer empresas com um produto diferenciado. Separar o transgênico do não-transgênico se tornou muito difícil!

PA – É possível reverter essa situação?
Nós precisamos de uma política pública que estimule a produção de grãos não-transgênicos. Que crie áreas livres de transgênicos e que facilite esses processos de escoamento, armazenamento e colheita. Essas tecnologias, temos que reconhecer, são úteis para fazendeiros que trabalham em larga escala, porque facilitam as decisões de gerenciamento da lavoura. Quem tem pressa, não está preocupado com o futuro e trabalha em grandes áreas pode encontrar sentido nisso. Mas não quem trabalha em pequena escala, colhe em pequena escala e armazena em pequena escala. Estes só têm a perder, e precisam de políticas que os defendam. As políticas públicas, porém, são mais voltadas para essa visão da exportação que privilegia a grande escala… O caso do arroz é bem emblemático. A única maneira que vamos garantir que não vamos ter arroz transgênico é não autorizando o plantio.

PA – Conta um pouco sobre o livro “Lavouras Transgênicas – riscos e incertezas”. Como foi feita a seleção dos 750 artigos que ilustram o livro?
O antigo Ministério do Desenvolvimento Agrário fez os esforços para reunir esses estudos. A organização dos artigos em um compêndio único foi feita para facilitar o acesso a essas informações. Tínhamos a intenção de pegar artigos publicados de 2010 em diante, mas terminamos juntando artigos anteriores, para ter embasamento. Mas todos os artigos selecionados são posteriores à liberação dos transgênicos no Brasil. O nosso critério era de que os artigos incluídos pudessem ser acessados gratuitamente. O artigo tinha que ter sido publicado em uma revista científica com revisão de pares, um conselho editorial. Ou seja, são publicações científicas que têm um determinado critério de qualidade.

PA – Qual é a maior contribuição do livro para pensar a questão dos transgênicos no Brasil?
O principal argumento do livro não é que os transgênicos não prestam, ou que a tecnologia não é boa. Mas que os produtos transgênicos que estão no mercado não são do interesse do nosso país. Que as pesquisas sobre esses produtos devem ser mais aprofundadas. E que existem indícios que mostram que temos que minimizar o uso de algo que ainda não é claramente dominado. Não precisamos que o problema esteja consolidado e se transforme em tragédia nacional para adotarmos medidas de controle!

PA – Então o livro não é contrário ao uso dos transgênicos, mas busca fazer uma reflexão sobre o seu uso, é isso?
O livro é fortemente contrário aos transgênicos que estão aí! E afirma que com o conhecimento atual devemos suspeitar do que estão prometendo, porque estas promessas parecem ser enganosas… Então nem todos os artigos do livro dizem claramente “os transgênicos não funcionam”; alguns apontam problemas e a maior parte sugere novos estudos. Em alguns casos, as conclusões são bem objetivas. Por exemplo, existe um argumento a favor dos transgênicos que diz que as bactérias de solo que produzem as proteínas Bt são onipresentes na natureza. Portanto, estamos em contato com essas proteínas inseticidas o tempo todo e não haveria problema em tê-las dentro das plantas… Mas temos alguns estudos que dizem que isso não é verdade, porque embora as proteínas das plantas transgênicas e das bactérias que seriam onipresentes tenham as mesmas sequências de aminoácidos, elas são configuradas em ambientes diferentes, dentro da bactéria ou dentro da planta. Ou seja, elas têm características funcionais diferentes. As das bactérias só se tornam inseticidas dentro do intestino dos insetos, depois de quebradas e ativadas pelo pH ácido do intestino. Já as das plantas são inseticidas o tempo todo. São diferenças relevantes e no livro existem estudos provando isso.

PA – O livro mostra as controvérsias e disputas dentro da própria ciência…
Sim! Os estudos que são a favor dos transgênicos, por exemplo, que dizem que as proteínas Bt produzidas nas plantas são seguras porque elas só são ativadas no intestino dos insetos (em função do pH no intestino dos insetos) são verdadeiros apenas quando essas proteínas vêm das bactérias. Mas quando essas proteínas são produzidas nas plantas, elas são ativas o tempo todo! Elas não precisam estar dentro do inseto para se tornarem tóxicas e esta é uma diferença grande. Outra diferença é que as proteínas das bactérias precisam ser quebradas no intestino do inseto para se tornarem ativas, mas se elas são produzidas dentro das células das plantas, e ali é inseticida o tempo todo, então elas estão no pólen, nas raízes… E todos os seres que entrarem em contato com essas proteínas vão reagir a elas de alguma maneira. Essa reação pode ser inócua do ponto de vista da toxicidade, mas ela pode afetar processos mentais, por exemplo. Imagine se estes impactos se derem sobre processos de comunicação, de orientação, de formas de limpar colmeias, por exemplo. Nestes casos, e não estou dizendo que ocorram, os impactos custariam a ser percebidos, mas os danos seriam terríveis…

PA – Para encerrar: como o livro foi recebido pelo governo?
O governo se dividiu. Na época, o Ministério do Desenvolvimento Agrário estava alinhado ao Ministério da Saúde e ao Ministério do Meio Ambiente nesta questão dos transgênicos. Mas pessoas ligadas ao Ministério da Agricultura, por exemplo, entendiam que o Ministério do Desenvolvimento Agrário estava comprometendo interesses do governo, criando dificuldades para as políticas públicas. Não foi uma manifestação pública do governo, mas alguns grupos se posicionaram contra o livro: a bancada ruralista e alguns senadores, por exemplo, pediram explicações. O Ministério do Desenvolvimento Agrário respondeu dizendo que a preocupação era com o pequeno agricultor. E que os transgênicos não eram tecnologias vantajosas para a pequena agricultura. Além disso, consideramos que a literatura científica internacional deve ser acessível a todos os brasileiros, portanto, nós estávamos prestando um serviço de utilidade pública.

PA – E a CTNBio, se pronunciou a respeito do livro?
A CTNBio faz vistas grossas sobre o assunto. Antes, nas reuniões, nós sempre escutávamos de membros da CTNBio dizendo que “não existem informações que contrariem as vantagens dos transgênicos”. Agora nós temos um livro na mão com um monte de informação que contraria os transgênicos. Mas eles dizem assim: “do mesmo modo que você reúne informação que sustenta o que você quer falar, eu posso reunir um monte de informação que sustenta o que eu estou dizendo”. E é verdade! Nós temos um volume enorme de publicações que atendem aos interesses das empresas! Mas agora nós também temos evidências de que boa parte dessas publicações pode estar associada a conflitos de interesses.